Você se considera bom pai ou boa mãe ao ensinar seus filhos a odiar?
Leonardo Sakamoto
23/03/2016 16h08
Crianças podem ter atitudes muito cruéis mesmo sem consciência disso. E não é uma questão de maldade ou bondade. Pelo contrário, estão simplesmente reproduzindo o comportamento que aprenderam em casa, repetindo o que seus pais disseram ou aquilo que viram e ouviram na internet.
Daí, temos crianças de cinco anos dizendo que Dilma merece ser morta a tiros ou que Aécio deveria ser esfaqueado. É claro que a frequência do primeiro absurdo tem sido maior que o do segundo, mas ainda assim há pais e mães ensandecidos em ambos os lados.
"Vagabunda", "Essa corja tem que morrer", "Essa raça deve ser exterminada", "Vadia", "Tinha que esfolar viva", "Quem vota neles devia ser preso", "Bando de nordestino ignorante que votou errado". Pela internet circulam casos de pais e mães orgulhosos de seus filhos que desenharam o assassinato de políticos ou de crianças que fizeram bullying em amiguinhos que usavam cores diferentes daquelas que são "autorizadas" por seus pais.
Depois perguntam porque desejo tanto um meteoro redentor que dê reset na raça humana. Talvez se, da próxima vez, evoluirmos a partir das baratas tenhamos mais sangue frio e, portanto, capacidade de nos controlar antes de falar besteira em público.
Já tratei desse assunto durante as eleições de 2014, quando as pessoas também pareciam possuídas pelo capeta. Na época, entrevistei Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, que ressaltou que a percepção sobre o coletivo, bem como o aprendizado sobre justiça, diversidade e tolerância ocorre na escola. E que esse é o ambiente onde devem conviver opiniões diferentes.
Por mais que alunos e alunas tragam de casa uma visão intolerante, a escola deve transformar e ressignificar essa visão. Não para doutrinar ou censurar, mas garantir o respeito à divergência. Na escola, aprendemos a lidar com a igualdade e a diferença. Se um pai diz para não andar com gays porque eles são "sujos", na escola a pessoa terá a oportunidade de aprender que, na verdade, as coisas não são assim e que as diferenças entre as pessoas representam uma vantagem e não uma desvantagem para a sociedade.
Com a popularização das redes sociais e a quantidade de tempo em que os mais jovens passam conectados, é de se esperar que a família não seja a sua única fonte de formação fora da escola, talvez nem a principal. A escola tem que estar preparada para entender isso e convidá-los à reflexão sobre tudo isso.
Mas a família pode sim dar uma mãozinha. O Catraquinha, site para educação infantil do Catraca Livre, veiculou este resumo bem legal produzido pelo site Mãezissima, bastante pertinente para o momento – independentemente do posicionamento político de quem o leia.
Tente treinar isso em casa. E talvez lhe seja útil. Não é tarde demais para você que odeia, muito menos para seus filhos.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.