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Cardeal de São Paulo é agredido durante missa e chamado de comunista

Leonardo Sakamoto

25/03/2016 09h53

O cardeal arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer, foi atacado durante uma missa na Catedral da Sé, na manhã de quarta (23), por uma mulher que o acusou de ser um comunista infiltrado na Igreja Católica. Aos gritos ela dizia: "Você e a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] são comunistas infiltrados; não podem fazer isso com a minha Igreja". Depois avançou sobre ele, arrancou sua mitra, derrubando-o no chão e arranhando seu rosto. As informações são de Laura Capriglione e Mauro Lopes, dos Jornalistas Livres.

Odilo levantou-se com a ajuda de outras pessoas e seguiu caminhando e abençoando os presentes na catedral.

A agressora apresentava evidentes sinais de transtornos emocionais. Ela também reclamou de que a Igreja Católica tratava demais de reformas agrária e política ao invés de reformar a própria instituição.

Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, na Catedral da Sé. Foto: Cris Faga/Estadão Conteúdo

Odilo Scherer, apesar de já ter sido criticado por pessoas que enxergam comunistas em Sucrilhos, não pertence à Teologia da Libertação. Essa corrente da Igreja Católica interpreta o evangelho no sentido da libertação da injustiça e da desigualdade social, prega a opção pelos pobres e conta com inspiração marxista.

Poderíamos alegar que a mulher que atacou o cardeal, transtornada, nem sabia o significado do que falava. Poderíamos. Mas, infelizmente, esse tipo de ataque se tornou rotina. E o conteúdo do que ela falou tem sido repetido à exaustão nas ruas, nas redes sociais, nos veículos de comunicação.

Quem plantou esse discurso em sua cabeça? E quem plantou a ideia de que alguém que defende o comunismo é demoníaco e merece apanhar?

Todos que ajudaram a inflar a estúpida, ignorante, irresponsável e vazia suposição de que o país vive, há anos, um "golpe comunista", ou se omitiram diante disso, têm uma parcela de culpa no show de horrores, de vergonha alheia e de violência que vamos começar a presenciar com frequência por aqui. O governo brasileiro não é comunista e, infelizmente, nem de esquerda – apesar de querer se autointitular como tal, talvez para recolher apoio de parte da sociedade que acreditou em suas promessas de campanha.

O pior é que os insufladores nem precisam ir a público cometer agressões contra quem usa a cor vermelha em roupas, bicicletas ou bolsas. Da mesma forma que não é a mão de religiosos, blogueiros ou deputados que seguram a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente que atacam gays e lésbicas. Mas são eles que, muitas vezes, na busca por audiência ou para encaixar um fato em sua visão de mundo, tornam a agressão banal, quase uma necessidade para restabelecer a ordem das coisas. Uma ação divina que será cumprida pelas "pessoas de bem".

Por isso, quero deixar os meus parabéns.

Parabéns a você, irresponsável que veicula ignorância e estupidez pelas redes sociais. Que divulga informações equivocadas, muitas delas com potencial para gerar violência – física ou simbólica. Que desinforma com o objetivo de criar um exército de zumbis.

Parabéns aos veículos de comunicação que insuflam o Fla-Flu político sem se preocupar que muitos de seus consumidores não foram formados para serem leitores, ouvintes e telespectadores. E acreditando em tudo o que recebem, sem senso crítico ou filtragem considerando a linha editorial, pensam que estão sendo municiados para uma guerra.

Parabéns também aos outros tantos que sabem que tudo isso acontece, mas preferem ficar dentro de sua bolha na rede social, achando que o mundo lá fora é a barbárie e tudo o que você precisa está no seu bar, no seu clube ou no seu grupos de amigos praianos. Pois a ignorância coletiva precisa, para se reproduzir, do silêncio dos que têm consciência, mas não falam.

Vídeo dos Jornalistas Livres do momento da agressão:

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto