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A Terra é chata como uma pizza. Mas não ponha ketchup, porque é vermelho

Leonardo Sakamoto

28/03/2016 18h54

Um dos maiores saltos da humanidade foi o momento em que sua esmagadora maioria passou a aceitar que a Terra não era chata como uma pizza de muzzarela, mas redonda. É claro que há gente doida em todos os lugares, então não podemos estranhar os grupos que defendem na internet que o planeta é uma grande panqueca, de rappers a líderes religiosos. Só torcer para que, talvez, todos encontrem a borda um dia.

Sempre me lembro disso quando vejo alguém torcer o nariz ao ouvir uma resposta mais longa diante de um problema complexo. O insatisfeito, incrédulo, lança ao ar algo como: "Se gastou tudo isso de tempo para explicar, é porque deve ser mentira". Ou seja, só é verdade se você consegue explicar em poucas palavras, utilizando apenas o conhecimento em comum que todos detém sobre o mundo.

Se a Terra fosse uma pizza, seria uma caprese.

Não admira que Darwin enfrentou charges comparando-o a macacos em jornais e revistas. O que é mais simples de entender: que somos resultado de milhões de anos de seleção natural, em um processo lento e tortuoso, uma evolução mal-ajambrada de várias espécies que contaram com o meio ambiente e a sorte, ou que uma força divina criou tudo a partir de sua imagem e semelhança?

Não é só uma luta contra a tradição e os costumes. É uma luta inglória! O que é mais fácil e menos desesperador de entender? O surgimento do universo conhecido, do Big Bang ao surgimento do Homo Sapiens? Ou a criação de tudo em sete dias?

O mesmo tem acontecido com o ensino de História, que tem se tornado uma tarefa difícil frente às tentativas de explicar o mundo de forma rasa.

Porque a caminhada humana tem muitos poréns, contudos, entretantos, veja-bens. Não anda em linha reta, não tem bandidos e mocinhos bem definidos, tudo depende do ponto de vista. Às vezes, as explicações para alguns fatos levam páginas e mais páginas e, ainda assim, são incompletas. E não são autoexplicativas como um vídeo da Terra girando, demandam outros níveis de senso crítico e de capacidade de interpretar o mundo.

"Petralhas" são de ketchup

Juro que virei pedra por alguns instantes ao ver a qualidade do revisionismo histórico superficial utilizado como argumento por alguns jovens e adultos em debates na internet. Não era desconhecimento, era formação distorcida mesmo. E não era questão de opiniões estranhas, mas sim de fatos inventados. E, muito provavelmente, distribuídos por gente muito louca.

Diante do exército de zumbis que estamos criando, não me estranha que, em breve, comecemos a queimar na fogueira os que defendem que a história seja contada em sua complexidade e levando em conta os pontos de vista dos vencedores e dos derrotados.

Se nós, brasileiros, desistirmos da saudável discussão sobre a heresia de colocar esses condimentos em pizza e passamos a espancar quem pede o vermelho ketchup ao invés da amarela mostarda, por que não?

"Coxinhas" são de mostarda.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto