"Baderneiro" não é aluno que pede merenda, mas um povo que lhe dá as costas
Leonardo Sakamoto
06/05/2016 10h03
A polícia militar retirou à força estudantes que ocupavam o Centro Paula Souza, em São Paulo, cumprindo uma reintegração de posse na manhã desta sexta (6). Eles estavam no prédio, responsável pelas escolas técnicas estaduais paulistas, desde o dia 28 de abril, reivindicando o fornecimento de merenda. Alguns estudantes foram arrastados por policiais, que impediram o retorno deles ao prédio.
O governo diz que fornecia merenda a todas as escolas técnicas, o que colegas jornalistas mostraram não ser verdade. Além disso, o alimento entregue não é nem suficiente, nem adequado, nem nutritivo – uma bebida (como um achocolatado em caixinha) e um alimento sólido (como biscoitos, bolinho ou barra de cereal) para sustentar um aluno das 7h da manhã até o meio da tarde.
Diante da reivindicação para oferecer refeições com comida de verdade e não qualquer coisa mega-ultra-hiper-processada que nem deveria ser chamada de alimento, o governo diz que precisa de um prazo até 2018.
Ainda bem que comer mal e pouco não influencia no desenvolvimento cognitivo e, portanto, na formação de jovens. Se influenciasse, seria uma grande irresponsabilidade do governo estadual…
E ainda bem que não há nenhum escândalo de desvio de verbas que seriam destinadas a comprar merenda que envolveram membros do alto escalão do governo Geraldo Alckmin…
Porque, se houvesse uma Máfia da Merenda ou algo do gênero, o poder público ao invés de arrastar alunos que protestam por comida para fora de um prédio educacional, pediria desculpas pelos desvios, seria célere com uma CPI na Assembleia Legislativa para investigar e punir o ocorrido e faria de tudo para garantir comida decente.
Qual a motivação para um jovem se engajar no aprendizado hoje, principalmente em uma escola sem recursos até para a sua alimentação, professores desmotivados e menosprezados pelo governo e um currículo questionável?
Ficamos preocupados com taxas de evasão escolar de 20%, dizendo que tudo está desmoronando. Sim, é um dado preocupante. Mas não vemos o outro lado, que a imensa maioria milagrosamente permanece, mesmo diante desse contexto e insiste em querer uma boa formação. Se alunos seguem acreditando e não desistem, apesar de uma educação que, jeito em que está, não lhes faz sentido, que direito temos nós de apoia-los?
Gostaria de entender a cabeça de quem passa a vida inteira reclamando que "jovens" fogem da escola e não dão a devida importância à educação e, agora, chama de "baderneiros" quem ocupa unidades de ensino pedindo uma educação melhor.
Como já disse durante as ocupações, no ano passado, contra a reestruturação das unidades de ensino, uma das principais funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter?
Pelas cenas de policiais arrastando estudantes que protestam por comida para fora de um prédio educacional, você já sabe a resposta.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.