Temer não se preocupa com estudantes que ocupam escolas. Mas deveria
Leonardo Sakamoto
22/05/2016 10h51
O governo paulista retira à força e sem autorização judicial estudantes que ocupam unidades de ensino para protestar contra a falta de refeições nas escolas, o desvio dos recursos destinados à merenda, os cortes na educação, os salários ridículos dos professores, a precarização do ensino como um todo. Daí, os estudantes vão para a rua protestar e levam spray de pimenta na cara e borrachada no lombo, em uma aula pública para aprenderem quem manda e quem obedece.
Daí o governo carioca, bom aluno na disciplina Repressão I, diante de um movimento que ocupou dezenas de escolas também contra o corte de verba e a precarização no ensino, gosta da ideia e desova pimenta junto com o Batalhão de Choque para cima dos estudantes que estavam na secretaria de Educação. Em plena madrugada, jovens desmaiam, outros sofrem escoriações.
Ocupações eclodiram no ano passado em São Paulo, obrigando o governo Alckmin a voltar atrás, naquele momento, com seu projeto de "reorganização" escolar. Desde então, já custou a cabeça de um secretário paulista e um carioca de educação.
Por conta delas, governantes têm reclamado que as ocupações têm natureza política. Mas o que mais seriam? Natureza gastronômica definitivamente que não é, porque a merenda o gato não comeu, mas a corrupção levou.
Durante a ação do Batalhão de Choque para desocupação da secretaria de Educação no Rio, pelo menos dois adolescentes desmaiaram e estudantes relataram terem sofridos escoriações (Foto: Pedro Teixeira/Agência O Globo)
A disputa, na verdade, não é por edificações, mas pela forma como cidadãos vêm sendo formados pelo Estado. Que os mais jovens estejam discutindo como sua vida poderia ser melhor e colocando isso em prática, é um alento. Que o Estado e parte da sociedade percebam isso e apoiem que sejam tratados com pimenta e borracha é paradigmático de que estamos em um momento de disputa.
Os governos estão dedicados a murchar o ímpeto da molecada, passando por cima do bom senso e da lei. Talvez seja a sensação de poder por conta da nova administração federal, que se mostra liberal na economia e muito conservadora em todo o resto. Sentem-se empoderados por Alexandre "Pode-Desocupar-Sem-Mandado" de Moraes no ministério da Justiça.
Em São Paulo, os protestos estudantis deste ano contaram com menos apoio popular do que os do ano passado. Em parte pelo impeachment ter recebido todos os holofotes midiáticos, em parte pela impressão de repetição da história – que cansou parte da sociedade e outros alunos que não concordam com as ocupações. Mas, ainda assim, é difícil justificar publicamente que estudantes que pedem comida e educação devam ser recebidos com violência.
Então, governos têm optado por saídas violentas e rápidas para resolver o problema. Para eles, é matar os movimentos na origem ou serem engolidos por eles depois. Porque perceberam que os jovens têm fibra, resistência – ocupar escolar por longos prazos não é para qualquer um.
Fala-se muito na possibilidade de um novo momento catártico como foram as manifestações de junho de 2013. A violência ignorante desferida pela polícia militar nos jovens naquela quinta-feira, 13 de junho, no Centro de São Paulo, foi o estopim para que centenas de milhares fossem à ruas no que pode ter sido a maior manifestação de nossa democracia – não houve medição por institutos de pesquisa do ato do dia 17 de junho, que parou a cidade e que, pelas imagens, foi maior que os 500 mil pelo impeachment na avenida Paulista deste ano.
Como mostram institutos de pesquisa, como o Datafolha, a maioria dos jovens que coalharam as ruas em junho de 2013 não voltaram para defender ou criticar o impeachment. Permanecerem em compasso de espera por não se verem representados pelo que esta aí.
Enquanto isso, há movimentos e grupos que atuaram no processo de impeachment que adoram se autointitular como "herdeiros" das jornadas de junho. Mas os únicos que poderiam se nomear assim, por sua natureza e estrutura, são aqueles que ocuparam escolas em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio de Grande do Sul, Ceará, Goiás.
Não basta um estopim, é necessário um conjunto de outros elementos que criem a tempestade perfeita, que incluem insatisfação, falta de perspectivas, sensação de impotência sobre a própria vida. Ou seja, tudo aquilo que também vivemos hoje em um grau bem maior profundo.
Mas também falta que a mudança da narrativa seja aceita pelo restante da sociedade, que entenda que essa luta não é só deles, mas de todos nós.
Não sei se um movimento como o de 2013 (cujo simbolismo tem sido ressignificada por outros grupos políticos e por parte da mídia, que os usa para seus propósitos), seria capaz de eclodir novamente neste Brasil em transe de 2016.
Mas, se eclodir, seria fatal ao governo interino.
Nesse roteiro, o ministro da Educação Mendonça Filho deveria ter cuidado extremo com cada medida que vai tomar e que pode significar retrocesso na educação.
Pois a imagem de um mar de estudantes ocupando as ruas contra uma educação e um Estado que não os representa e, ao invés de protegê-los, os espanca, inundaria as redes sociais. E se não conseguir eco nas primeiras páginas de jornais brasileiros ou na escalada de notícias das TVs, certamente estamparão a mídia em todo o mundo de tal forma que nem as notas de reclamação do chanceler José Serra será capaz de responder.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.