Cultura do estupro no Brasil: Homem, de que lado você está?
Leonardo Sakamoto
26/05/2016 16h40
Tão chocante quanto o estupro denunciado por uma jovem de 16 anos, que teria envolvido mais de 30 homens, no Rio de Janeiro, e tão chocante quanto os vídeos que mostram seus ferimentos e foram postados na internet, foi a reação de uma parcela da sociedade, que se divertiu nas redes sociais com eles e com a história. E a inação de uma outra parte, que culpou a própria vítima pelo ocorrido ou simplesmente caiu no autoengano de que essa história não nos diz respeito.
No mesmo dia em que o caso gerou indignação nas redes sociais, o novo ministro da Educação recebia o ator Alexandre Frota para discutir a educação (!!!) no Brasil. O mesmo Frota que, durante uma entrevista a um programa de TV, narrou um caso de violência sexual do qual foi protagonista contra uma mãe-de-santo, para deleite da plateia, que ria como se fosse uma piada. Acusado por organizações sociais de estupro e de apologia ao estupro, deu de ombros.
Enquanto isso, o deputado federal Jair Bolsonaro sobe nas intenções de voto, principalmente entre as classes mais ricas. Tempos atrás, durante um debate com a também deputada federal Maria do Rosário, soltou uma das maiores ignomínias de sua carreira: "Jamais iria estuprar você, porque você não merece". Ao dizer que ela não merecia ser estuprada, deixando claro que há mulheres que merecem, sabia que seu discurso receberia o apoio de uma quantidade considerável de pessoas.
Os 30 homens no Rio, Alexandre Frota, Jair Bolsonaro foram criticados e acusados por um grande número de pessoas, mas também defendidos e glorificados por outros tantos. Vivemos em uma sociedade que garante que o estupro continue a ser um instrumento violento de poder, de dominação, de humilhação. Uma sociedade na qual uma das maiores agressões ao corpo e à mente de outro ser humano é banalizada, menosprezada e tratada como piada. Uma sociedade em que mulheres ainda são consideradas objetos descartáveis à disposição dos homens.
Tanto que o governo desse país escolhe um ministério formado apenas por homens e não é obrigado a voltar atrás.
Quando mulheres são sistematicamente estupradas, não apenas seus corpos e almas são violentados. A dignidade de todas as mulheres é coletivamente agredida e negada. Porque falhamos profundamente como sociedade em garantir um dos direitos mais fundamentais. E se isso acontece junto a discursos que louvam ou relativizam esses estupros, podemos começar a nos questionar que tipo de povo somos nós.
Violência sexual não é monopólio de determinada classe social e nível de escolaridade. Quem espanca e violenta pode ter apertado o sinal de parada do ônibus ou roçado o banco de couro de um BMW. O que une os diferentes no Brasil, afinal de contas, não é o futebol, a religião ou a comida. É a violência de gênero. A cultura de estupro é um "privilégio" masculino, que vem sendo derrubado pelo feminismo ao longo do tempo, mas com dificuldade, porque encontra a resistência de homens pelo caminho.
Meninos e rapazes deveríamos nos conscientizar uns aos outros, desde cedo, para que não sejamos os monstrinhos formados em ambientes que fomentam o machismo, como família, igrejas, escolas e mídia.
Todos nós, homens, de esquerda, de direita, de centro, somos sim inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E, tendo em vista a formação que tivemos e a sociedade em que vivemos, que autoriza e chancela comportamentos inaceitáveis, é um longo caminho até que isso aconteça.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.