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O que os imóveis do filho de sete anos de Temer dizem sobre a desigualdade?

Leonardo Sakamoto

30/05/2016 12h45

O ultrajante não é alguém morar em um apartamento de 400 metros quadrados enquanto outro vive em um de 40.

O que desconcerta é uma sociedade que acha normal um ter condições para desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto o outro apanha da polícia para manter seu barraco em uma ocupação de terreno, seja em Itaquera, Grajaú, Osasco, Pinheirinho, Eldorados dos Carajás, onde for.

O presidente interino pode, legalmente, antecipar a herança ao seu filho de sete anos de idade, como alega ter feito, transferindo para seu nome dois imóveis que valem mais de R$ 2 milhões. Imóveis que, aliás, eram usados por Michel Temer. É um direito dele.

E ele também pode, alegando restrições orçamentárias, decidir acabar com os subsídios a pessoas de baixa renda dentro do Minha Casa, Minha Dívida – como teria decidido fazer, segundo o jornal O Globo. Assim, o programa deixará de receber recursos do Tesouro Nacional, a fundo perdido, para ajudar famílias que ganham até R$ 1800,00, entre outras mudanças. É um direito dele.

Mas em um país em que a desigualdade estrutural é mantida sob a justificativa de "a lei nos permite", esquecendo que a lei foi escrita, em muitas ocasiões, com a caneta dos mais ricos ou em nome deles, a alegação desses "direitos" soa como um tapa na cara.

É justo que todos que suaram a camisa e conseguiram guardar algum queiram deixar uma vida mais confortável para seus filhos. Mas, a partir de uma determinada quantidade de riqueza (muita, muita riqueza), o que seria apenas garantir conforto transforma-se em transmissão hereditária da desigualdade social e de suas consequências. Europa, Estados Unidos, entre outros países, tentam resolver isso através de um imposto grande sobre herança que irriga os cofres públicos ou força a doação via fundações privadas.

Por aqui, a gente não precisa de impostos sobre grandes heranças e grandes fortunas ou alíquotas maiores do imposto de renda para quem ganha muito. Pois, quando a situação aperta, a exemplo desta crise, é só cortar o investimento em educação e saúde públicos, proposta que já havia sido anunciada pelo governo Temer. E, agora, também em habitação.

Se o imposto sobre doações, como a feita pelo presidente interino a seu filho, fosse maior, haveria mais recursos para construir casas aos que nunca poderão pagar por elas.

Falta de empatia, de capacidade de deixar o próprio conforto por um momento e se colocar no lugar do seu semelhante? Não, sociedade de castas mesmo. E hereditária.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto