Votar em Erundina: Talvez a última chance de o PT mostrar que ainda existe
Leonardo Sakamoto
13/07/2016 11h27
Não sei qual otimista cunhou a ideia de que, diante de sua hora mais sombria, seres humanos são capazes de demonstrar o que têm de melhor. Particularmente, acho que, à beira do precipício, muita gente tende aos atos mais egoístas – baseados em um cálculo de auto-sobrevivência bizarro – e a cometer as maiores atrocidades possíveis – incapazes de enxergar algo além de seu próprio nariz.
Na tarde desta quarta (13), a Câmara dos Deputados irá eleger seu novo presidente para um mandato-tampão dada a renúncia de Eduardo Cunha. Muitos nomes se inscreveram, mas os nobres deputados devem eleger alguém conservador e/ou fisiológico, que já está ou estará afinado com o Palácio do Planalto.
Nesse contexto, a deputada federal Luiza Erundina se apresentou para uma candidatura sem chances reais de vitória, representando não o PSol, que a acolheu há pouco tempo e, provavelmente, por pouco tempo, mas um voto de protesto contra o chorume que corre pelos corredores de nossa câmara baixa. Foi a primeira candidatura de esquerda a se apresentar para a tarefa.
O Partido dos Trabalhadores vive sua hora mais escura. E apenas pessoas desconectadas da realidade ou muito cínicas são capazes de dizer que ele chegou a esse ponto por causa de uma "mídia golpista" e de uma "elite rancorosa". Aliás, o PT caminhou para o cadafalso por livre e espontânea vontade, ignorando os avisos de movimentos sociais e de sua base popular histórica, que alertaram que o caminho da governabilidade é asfaltado com sangue e lágrimas.
E, hoje, parte do partido segue incapaz de fazer uma autocrítica decente, sem "mas" nem "poréns". Ato que talvez não o salvaria, mas possibilitaria que a esquerda não levasse mais tempo do que os longos anos que gastará para refletir sobre seus erros, construir uma nova narrativa e convidar a sociedade a compartilhar novamente de sua visão de outro mundo possível.
O PT não tem se mostrado preocupado nem em sua redenção histórica, confiando cegamente que a sociedade à sua volta garantirá que a História o redima. Tão cegamente que muitos seguem apostando na ideia de "quanto pior, melhor". Alguns defendem que é melhor deixar Michel Temer onde está pois seu programa de governo, que nunca foi eleito e nem será reeleito, é tão devastador para os direitos dos trabalhadores que levará o povo a devolver Lula ao Palácio do Planalto em 2018 (se ele não for condenado até lá pela Lava Jato, claro). Confiam dessa forma que a estratégia de "terra arrasada" os devolverá ao poder.
Esquecem que a vida não é um tabuleiro de xadrez onde podemos sacrificar peões em nome da vitória. Pois esses peões já colocaram na fatura de reis e rainhas, bispos e torres do PT e do PSDB a atual situação do país. Logo aqueles partidos que, um dia, foram a grande esperança do sistema político brasileiro.
No afã de pensarem em sua própria sobrevivência, muitos deputados federais do PT podem votar, na tarde desta quarta, em pessoas que defendem exatamente o inverso dos valores que o partido um dia pregou e, ao que tudo indica, esqueceu. Seja no primeiro ou no segundo turno da eleição na Câmara. Pessoas que, uma vez eleitas, irão fazer de tudo para passar leis que irão piorar, e muito, a vida de trabalhadores, aposentados, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, jovens, mulheres. Se assim for, me pergunto: para que esse partido ainda existe?
Posso estar enganado na análise, claro. Afinal de contas, o Partido dos Trabalhadores, diante de sua hora mais sombria, pode sempre voltar às suas raízes, muito antes da Carta ao Povo Brasileiro, e se lembrar das razões para as quais foi constituído. E daqueles que nele apostaram.
Daí meu erro será fácil de descobrir: por exemplo, é só Luiza Erundina receber, ao menos os seis votos do próprio PSol e os 58 da bancada do PT.
Ela não será eleita de qualquer maneira com ou sem esses votos. Nenhuma candidatura mais progressista será. Mas, às vezes, uma boa derrota é mais importante do que uma vitória com gosto amargo.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.