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Por um plebiscito para saber se o povo quer mudar a CLT e a Previdência

Leonardo Sakamoto

07/08/2016 11h58

Por mais que os governos eleitos do PSDB e do PT tenham distribuído bananas aos seus eleitores e adotado medidas que eles não haviam informado em suas campanhas eleitorais, ambas agremiações não teriam coragem de impor a tungada nos direitos dos trabalhadores que espreguiça no horizonte em um governo PMDB de Michel Temer.

Apenas um governo que não foi eleito e que não deverá ser reeleito – e, portanto, não possui compromissos com nada além de si mesmo e patos amarelos – teria essa possibilidade.

Isso significa, meu amigo, minha amiga, que você se preocupava em ir às ruas para combater a corrupção – pauta mais do que justa e fundamental, uma vez que grande parte da classe política do país passa mão na nossa bunda diariamente e ainda sorri. Mas o resultado final, infelizmente, incluirá uma bela traulitada no seu futuro e no de seus filhos.

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.

Contudo, essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo. Por exemplo, falar em imposição de uma idade mínima para aposentadoria sem considerar que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo e morrem antes é desconhecer a realidade.

E o melhor de tudo é que o discurso está sendo construído de forma que os trabalhadores achem importantíssimo e justas, muito justas, justíssimas as mudanças que vão lhes tirar direitos sem uma consulta prévia. Porque uma eleição é exatamente isso: uma consulta sobre um projeto de governo ou de país que se quer implantar.

Se, em uma eleição presidencial, ganhasse uma candidatura que defenda abertamente a proposta de ampliar a possibilidade de terceirização da força de trabalho para todas as atividades de uma empresa (retirando a proteção social de boa parte dos empregados); ou de possibilitar que a negociação entre empresa e trabalhadores passe por cima da CLT mesmo em prejuízo para o trabalhador; ou ainda que se imponha uma idade mínima (65 anos para quem está na ativa) à aposentadoria, sendo que a expectativa de vida dos homens no Maranhão é de 66 anos, a população brasileira – ao menos, terá sido consultada sobre fatos que interferem em sua vida.

Mas, neste momento, há uma tentativa de aproveitar um período de limbo de representatividade política e de alcance de legitimidade para ignorar a Constituição de 1988 e refundar a República – reduzindo o poder de fiscalização e regulação do Estado.

Então, sugiro que se convoque um plebiscito com três perguntas:

1) Você é a favor de ampliar a possibilidade de terceirização para todas as atividades de uma empresa?

2) Você é a favor que sindicatos e patrões fechem acordos mesmo que esses desrespeitem direitos previstos na CLT?

3) Você é a favor de impor uma idade mínima, para quem está na ativa, de 65 anos para se aposentar?

Ou, se preferirem, um referendo para confirmar ou rechaçar as mudancas legislativas que estão em curso sobre esses temas.

Como já disse aqui um rosário de vezes: considero um risco incalculável uma maioria deliberar sobre direitos fundamentais, principalmente de minorias, em referendos e plebiscitos. Primeiro porque, não apenas no Brasil, mas em outros países, a percepção coletiva sobre o respeito aos direitos humanos é muito frágil. E a quantidade de informação sobre o outro (de que ele não é uma ameaça) e o nível de consciência da população são, simultaneamente, muito baixos. O que é uma mistura explosiva. Sociedades, como a nossa, pouco informadas, estruturadas em preconceitos, com medo do que é diferente e opressoras – têm sido egoísta em relação à distribuição de direitos.

Porém, o direito a um trabalho digno e decente é um direito fundamental e o que está aqui em discussão não entra nessa categoria, apesar de muito importante. A aprovação dessas medidas sem respaldo popular, contudo, vão colocar em risco a possibilidade de ter um trabalho digno e decente no país. Então, acho que a consulta é válida.

Uma democracia verdadeira passa pelo respeito à vontade da maioria, desde que respeitada a dignidade das minorias. E quando digo "minoria", não estou falando de uma questão numérica mas, sim, do nível de direitos efetivados, o que faz das mulheres uma minoria no país.

Com uma consulta pública, tendo cada lado igual tempo de campanha em rádio e TV para expor seus pontos de vista e as consequências, teríamos a população minimamente integrada à discussão. O ideal seria que o brasileiro e a brasileira, desde cedo, conhecessem e monitorassem melhor seus direitos e participassem mais ativamente dos processos que influenciam em sua vida. Mas isso é melhor do que deixar tudo na mão de representantes que, como disse, representam apenas a si mesmos.

Por fim, aproveitando que teríamos que ligar urnas eletrônicas, que tal acrescentar outras quatro perguntas:

4) Você é a favor de taxar grandes fortunas e destinar os recursos para a saúde?

5) Você é a favor de taxar grandes heranças e destinar os recursos para a educação?

6) Você é a favor da cobrança imediata dos valores sonegados por grandes empresas e sua destinação ao caixa da Previdência Social?

7) Você é a favor do retorno do imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas?

8) Você a favor da redução do limite de jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas?

Sei que isso é altamente improvável. Mas seria muito, mas muito didático sobre o que é o Brasil. E, portanto, divertido.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto