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Pesquisadora explica como STF influenciou no impeachment

Leonardo Sakamoto

04/11/2016 20h07

Grades de proteção cercaram a estátua da Justiça em frente ao STF antes de uma manifestação Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

"Quando se combina as decisões do impeachment com as da Lava Jato, verificamos que o Supremo teve uma grande influência no curso do impeachment", afirma Eloisa Machado de Almeida, professora da FGV Direito SP, doutora em Direito pela USP e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta.

Eloísa atua no acompanhamento das decisões do Supremo Tribunal Federal e uma das pesquisas que coordena tem analisado as decisões do STF junto às da operação Lava Jato. De acordo com ela, o tribunal jogou com o tempo, deixando alguns atores livres (mesmo em condições para prisão preventiva) e bloqueou outros, influenciando no processo de cassação de Dilma Rousseff. Ela separa três momentos decisivos listados que podem ser lidos no post.

Ela separa três momentos decisivos. Primeiro, a prisão em flagrante do então senador Delcídio do Amaral (PT), por decisão do ministro Teori Zavascki a pedido do procurador geral da República Rodrigo Janot, em 25 novembro de 2015. De acordo com ela, isso deu força para que o processo de impeachment fosse aceito por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, no dia 2 de dezembro do mesmo ano.

Segundo, houve a quebra de sigilo e divulgação da conversa telefônica entre Dilma e Lula sobre a sua nomeação para ministro da Casa Civil, em 16 de março de 2016, quando este ainda não era réu pela Lava Jato. Isso teria o intuito de garantir foro privilegiado a ele. Na sequência, o ministro Gilmar Mendes, impediu que Lula tomasse posse. De acordo com Eloia, esse episódio deu um fôlego extraordinário ao processo na Câmara dos Deputados, que autorizou a abertura do impeachment no mês seguinte.

Por último, somente após o impeachment ser encaminhado ao Senado, Eduardo Cunha foi afastado do mandato de deputado federal e, consequentemente, da presidência da Câmara por uma decisão do ministro Teori Zavascki.

Segundo, a pesquisadora, no curso do impeachment, o STF reproduziu o rito de 1992, garantindo um curso morno do processo. Mas essas decisões extraordinárias, relacionadas ao desdobramentos da Lava Jato, tiveram impacto no impeachment e foram responsáveis pelo seu desfecho.

A entrevista com a professora Eloísa Machado também abordou outros temas, incluindo o protagonismo do Supremo Tribunal Federal neste momento do país, as consequências de um Poder Judiciário mais forte que os outros dois poderes e a noção de Justiça no Brasil:

A Suprema Corte é um tribunal progressista ou conservador?
De acordo com Eloisa Machado, o Supremo Tribunal Federal nunca foi uma corte progressista. O que aconteceu é que ele acabou levando carona no mérito de outros atores, seja no Poder Executivo, no Legislativo ou do próprio Judiciário, por ser dele a última palavra sobre assuntos como a legalização do casamento homoafetivo ou o direito ao aborto de fetos anencéfalos. Segundo Eloisa, uma prova de que o STF não é progressista é exatamente a discussão sobre o direito ao aborto em qualquer circunstância, que está bem aquém de outros países que já garantiram esse direito às mulheres.

Segundo ela, esse tribunal, que já não era progressista, agora está adotando posturas mais conservadoras, como a derrubada da inviolabilidade de domicílio, o direito de não ser preso antes do trânsito em julgado de um crime e o direito de greve de servidores públicos.

O que acontece quando juízes se confundem com políticos?
Se o Supremo Tribunal Federal toma o lugar de um administrador público que foi eleito (sic) para tomar uma decisão, você tem um grande problema. De acordo com Eloisa Machado, professora da FGV, o STF deve decidir de acordo com o que está escrito na Constituição Federal. A razão jurídica deve prevalecer sobre a razão política, caso contrário quem sai perdendo é a população brasileira.

Por exemplo, quando o STF for decidir sobre a proposta de emenda constitucional 55/2016 (antiga PEC 241), que prevê a imposição de um limite no crescimento dos gastos públicos e deve afetar áreas como educação e saúde, deveria refletir sobre os direitos previstos em lei e não sobre as dificuldades enfrentadas pelo governo.

A Suprema Corte esvaziou o direito à greve
A decisão do Supremo Tribunal Federal de limitar o direito à grave dos servidores públicos é absurda e vai contra a Constituição Federal, segundo a professora e pesquisadora Eloisa Machado. Na prática, a pessoa terá que escolher entre alimentar sua família ou entrar em greve – o que, pela Constituição, é um direito. E quando os servidores forem protestar contra os impactos dos cortes em serviços públicos causados pela aplicação da PEC 55/2016 (antiga PEC 241) terão seus salários cortados pelo Estado.

O que acontece com um país em que o Judiciário se torna o poder mais forte
Delegar a resolução dos problemas da vida nacional aos magistrados e confiar que eles façam isso, não é uma solução. "O Judiciário é menos sujeito aos controles democráticos. Você não vota e eles ficam no cargo para sempre para aplicar a leis sem nenhum tipo de pressão", afirma Eloísa Machado, professora de direito da FGV e especialista sobre o Supremo Tribunal Federal. "Mas não é ali que se faz política. Política se faz com debates e propostas." Segundo ela, vivemos um momento em que candidaturas com discurso apolítico ganham as eleições para o Executivo e no qual o Legislativo está em descrédito. Delegar a resolução dos problemas da vida nacional aos magistrados e confiar que eles façam isso, não é uma solução. Ele receia que, com o aumento do descrédito das instituições, manifestações como as de junho de 2013 podem voltar.

A prisão de Eduardo Cunha foi juridicamente correta?
"A prisão de Eduardo Cunha não foi juridicamente correta. Ele foi mais uma vítima do uso excessivo da prisão preventiva", afirma Eloisa Machado, processo de Direito da FGV. "Se falamos que isso está errado, quando envolve as pessoas que a gente gosta, temos falar das que a gente desgosta." Segundo ela, isso mostra como o direito, como mecanismo de solucionar esse tipo de conflito, está um pouco corroído.

"A gente gosta quando se quebra uma regra contra uma pessoa da qual temos algum tipo de ódio, a gente gosta de ver criança apanhando em desocupação de escola porque somos contra a ocupação, você acha legal a polícia batendo em manifestante porque você acha que quem faz manifestação não trabalha. Bem, vai chegar uma hora que isso vai acontecer com você. E você está desconstruindo e deslegitimando a própria ideia de direito, o que me preocupa muito", explica Eloisa.

De acordo com ela, a Lava Jato não é uma exceção num Judiciário que prende muito, e que prende muito preventivamente. "O problema é que você prende a pessoa e substitui a investigação por isso. Então, quando se investiga mal, lá na frente você não consegue uma condenação. Então, você garante uma 'pena' prendendo preventivamente essas pessoas." Segundo ela, isso se resolveria com boa investigação e boa coleta de provas.

A Justiça é seletiva: ela escolhe pobres, negros e jovens para punir
Muita gente defende a decisão do Supremo Tribunal Federal em confirmar que condenados em segunda instância devem começar a cumprir pena mesmo sem uma decisão transitada em julgado, afirmando que pessoas pobres não usam tribunais superiores e, portanto, só os mais ricos serão prejudicados. Mas elas estão enganadas. De acordo com a professora de Direito da FGV e especialista no Supremo Tribunal Federal, Eloísa Machado, as Defensorias Públicas, que atendem cidadãos que não podem bancar um advogado, atuam sim em tribunais superiores, garantindo habeas corpus para os mais pobres que ainda estão recorrendo de decisões.Segundo ela, o sistema de Justiça no Brasil é seletivo. Escolhe pobres, negros e homens para punir.

"Nós temos um sistema prisional com 40% dos presos provisórios, ou seja, nenhuma sentença. Às vezes, ficam por mais tempo do que sua futura sentença criminal poderia puni-los." Segundo ela, a punição, já em segunda instância, não vai melhorar esse sistema, mas apenas ajudar a desconstruir a garantia de ninguém seja preso antes de esgotado todos os recursos.

Magistrados ganharem salários acima do teto fere credibilidade da Justiça
O juízes ganharem acima do teto de remuneração constitucional é um problema para administração pública como um todo. O Supremo Tribunal Federal poderia ter limitado isso. Mas o que fez foi garantir a extensão do auxílio-moradia. "Temos um problema de controle de gastos e de gestão do Judiciário que será muito difícil de ser superado", afirma Eloísa Machado, professora de Direito da FGV e pesquisadora sobre STF.

"Temos uma crise de legitimidade sistêmica em nossas instituições. Nós não confiamos no nosso Legislativo, e não é à toa, não confiamos no Executivo, e também não é à toa, e meu grande receio é que se perca a confiança no Judiciário", afirma.

Mulheres trans no banheiro feminino e a transparência do STF
É importante que haja transparência sobre os debates que precedem às decisões do Supremo, mesmo que haja um efeito colateral de alguns ministros ou juízes terem um contato maior com a política. De acordo com Eloísa Machado, professora de Direito da FGV e pesquisadora sobre o Supremo Tribunal Federal, se as audiências não fossem televisionadas, não seria possível, por exemplo, verificar preconceitos ou opiniões. Como as de ministros do Supremo que, em um debate sobre o direito de mulheres transexuais de usarem o banheiro feminino, afirmaram que não se sentiam confortáveis de julgar o caso porque imaginavam a situação de uma filha ou uma esposa ao compartilharem o banheiro com uma mulher trans. Segundo ela, se não houvesse essa transparência, não seria possível ter esse termômetro.

É comum um ministro do STF ser politicamente ativo?
É evidente que ministros que usem a mídia com tanta naturalidade e emitam opiniões políticas não são benéficos para a ideia de um tribunal imparcial, afirma Eloísa Machado, professora de Direito na FGV-SP e pesquisadora sobre o STF. Mas isso é antigo na corte. Fala-se do ministro Gilmar Mendes, mas outros já fizeram isso no passado e não é novidade. "É uma pena que o tribunal se coloque tão próximo da política", afirma.

Por que muita gente joga pedra na Constituição de 1988?
A Constituição de 1988 garante tanto a liberdade econômica quando um Estado social. "Hoje, vemos um abandono desse lado social", afirma Eloísa Machado, professora de Direito na FGV. "A Constituição prevê um Estado social, grande, que ofereça saúde para todos, que vai garantir educação de qualidade, que vai demarcar terra, que vai fazer reforma agrária, que vai distribuir renda. Tudo isso está na Constituição. Neste momento, vemos o desprezo por esse lado social."

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


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