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Temer ironiza estudantes, mas é seu governo que não faz lição de casa

Leonardo Sakamoto

08/11/2016 19h10

"Você sabe o que é uma PEC"? Michel Temer ironizou, nesta terça (8), o suposto desconhecimento dos estudantes que ocupam escolas por todo o país sobre a proposta de emenda constitucional que limita o crescimento dos investimentos em gastos públicos. Uma parte dos estudantes está protestando contra a PEC 55/2016 (antiga 241/2016), que deve impactar áreas como educação e saúde, aprovada na Câmara dos Deputados e que está tramitando no Senado Federal.

Também afirmou que a reformulação no ensino médio, criticada por alunos, já é discutida há muito tempo. "O que a medida provisória do governo federal faz é agilizar o debate relativo ao Ensino Médio no país", afirmou.

Agilizar? Tenho outra pergunta a ele: Temer, seu governo sabe o que é uma democracia?

Porque só uma resposta "não" justificaria a gigantesca cara de pau do Ministério da Educação em instituir uma reforma do Ensino Médio por meio de uma Medida Provisória e não por uma discussão que deveria congregar Congresso Nacional e a sociedade. "Agilizar" e impor algo que mexerá com a vida de milhões sem um debate prévio e democrático é recurso de regimes autoritários, de direita e de esquerda, ao redor do mundo e ao longo da história.

Ninguém nega que debater essa etapa de ensino é urgente. O desempenho é sofrível, o currículo é desinteressante e a evasão, monstruosa – 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola.

Debater com a sociedade e deixar para o Congresso Nacional formular uma proposta, com calma, não foi a primeira opção de um governo que silenciou o debate vomitando um "cumpra-se" através de uma Medida Provisória.

E olha que estou tratando apenas da "forma" e não do "conteúdo". Pois como já disse aqui antes, a MP apresentada deixa margem a muitas dúvidas.

Combinaram com os russos como gastar mais no Ensino Médio, como promete o governo, se a PEC 55/2016 vai limitar o crescimento nos gastos correntes, ceifando novos investimentos em educação por 20 anos? Ou como atrair professores para uma carreira que paga R$ 2.135 por 40 horas – sendo que uma minoria consegue ter a carga completa? (E tem gente que ainda diz que todo funcionário público é marajá…) Quanto ao ensino integral, fazer o quê com quem precisa estudar e trabalhar? Enviar os jovens mais pobres para escolas "especiais" onde só ficará a xepa da xepa da xepa?

No campeonato de acochambrações, tem espaço para tudo. Há coisas explícitas, como a dispensa de formação pedagógica para pessoas de "notório saber". Ah, pra que licenciatura, né? Além de desmoralizar a formação docente, a proposta joga no lixo um punhado de leis cuja confecção consumiu energia e milhares de horas de discussão de muita gente, da LDB de 1996 às recém-aprovadas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação do magistério.

Um dos efeitos mais nefastos do atual momento político do país é que uma ruptura institucional capaz de derrubar alguém da Presidência da República gera incentivos para mais rupturas institucionais.

Em seu discurso, nesta terça, Temer afirmou que "nós precisamos aprender no país a respeitar as instituições, e o que menos se faz hoje é respeitar as instituições. Isso cria problemas e o direito existe exatamente para regular as relações sociais".

Respeitar instituições? O que seria ignorar o Congresso Nacional e mudar a educação do país em uma canetada?

Vale lembrar que a Medida Provisória é um ato do presidente da República, que passa a valer imediatamente como lei. O Congresso Nacional só é chamado a aprová-la ou reprová-la depois. A justificativa é a urgência e a relevância do tema. .

Ninguém nega a relevância do tema. Mas a urgência ("Agilizar", como diz Michel) parece mais uma saída impositiva, que teme o diálogo, do que democrática, que é nele baseado.

Se numa democracia o jogo é jogado, num regime de exceção quem manda muda as regras até ganhar a partida. A verdade é que, a cada dia, o Brasil se transforma mais e mais num país de pequenos e grandes donos da bola.

Em tempo: Já há quem defenda no Congresso Nacional que algum deputado federal ou senador proponha um projeto com a mesma a pata e focinho da MP para que tudo para não pareça tão feio. Desculpe, mas não dá para segurar essa feijoada que o porco foi sacrificado.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto