Depois de uma Black Friday, pode vir um Sábado Depressivo
Leonardo Sakamoto
25/11/2016 22h04
Agora que mais uma Black Friday chega ao fim, vamos ao saldo.
Você está feliz da vida, pois conseguiu comprar o que precisava.
Mas também o que não precisava.
Quanto tempo depois de uma compra impulsiva você percebe que aquilo não lhe trouxe felicidade?
A busca pela felicidade passa cada vez mais pelo ato de comprar. E a satisfação está disponível na lojas a uma passada de cartão de distância.
Ficamos tanto tempo trabalhando que nos tornamos compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta. Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco, o tempo de sua obsolescência programada.
O problema é que aquele vazio difícil de preencher, que a propaganda mostra que se resolve com a aquisição de um produto, desaparece por um momento, com uma sensação de cura e inserção trazido pelo produto. Mas a sensação passa logo.
O acesso à cidadania no Brasil se deu apenas pelo aumento no poder de consumo – adquirir um produto de uma marca valorizada significa ser reconhecido como cidadão. Só depois percebeu-se que saúde e educação de qualidade ficaram de fora do pacote de cidadania oferecido.
Comprar é importante. Gira a economia, gera empregos, realiza desejos, supre necessidades, compensa frustrações, controla o povo.
Por isso, deveríamos aprender a encarar o consumo como o que ele realmente é: um ato político, de escolha, responsabilidade e monitoramento, do que como ação religiosa, de entrega, devoção e fé.
O problema é que o professor que levantava esse debate na sala de aula foi acusado de comunista e demitido. E, infelizmente, ninguém fala sobre isso no anúncio da TV.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.