Topo

Como sofismas e falácias dominam o debate público no Brasil

Leonardo Sakamoto

18/01/2017 15h31

"Nosso governo dá todo apoio a quem apoia o Brasil e ao mesmo tempo pede a vocês que apoiem o governo, porque estarão apoiando o Brasil."

A frase foi postada na conta pessoal de Michel Temer, no Twitter, na manhã desta quarta (18), pinçada de seu discurso no lançamento de um novo programa federal voltado a orientar pequenos empresários no acesso ao crédito e a reduzir a burocracia.

O tema é de suma importância – apesar das administrações federais até agora (e a dele inclusive) terem oferecido apenas migalhas aos pequenos e microempresários enquanto enormes subsídios são oferecidos ao grande capital, além da proteção dada à alta renda.

Dia desses, mantive um diálogo com o dono de um pequeno comércio que defendia que a origem de seus problemas era o excesso de "regalias" dos trabalhadores. Mostrei a ele números apontando que, na verdade, o trabalhador e o pequeno empresário são os que sempre se ferram em momentos de crise. Ele concordou com isso, mas, em pouco tempo, voltava a responsabilizar os trabalhadores, repetindo o discurso vendido por certos analistas e o governo.

Com as palavras e as emoções certas, marteladas insistentemente, somos capazes de nos tornar capatazes de nossos opressores. Todos nós, sem exceção.

E as ideias nem precisam ter sentido. Desde que se encaixem em nossa narrativa pessoal do mundo, mesmo que a ideia esteja equivocada, basta parecer fazer sentido para ser abraçada.

É triste que pessoas formem opinião através de sofismas e falácias. Isso é resultado de falhas não apenas na educação formal, mas também da falta de vivência coletiva e do conhecimento do outro – coisas que não se aprendem no banco da escola.

Mas é assustador que sofismas e falácias sejam usadas por administradores públicos como justificativa de convencimento. Nesse caso se encaixa a frase do começo deste texto, proferida e tuitada por Michel Temer.

Não é o único, claro. Em tribunas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em Assembleias Legislativas e Câmaras dos Vereadores, em prefeituras, em palácios estaduais e federal, elas são usadas para convencer dos maiores absurdos.

Trouxe, há algum tempo, exemplos que posto novamente:

É impossível gerar filhos a partir de duas mulheres ou dois homens. Portanto, casais homossexuais são uma aberração.

Com 16 anos, jovens podem votar. Então, com 16 anos também podem ser punidos como adultos.

Os sem-teto ocupam imóveis que não são deles. Portanto, podem ocupar a sua casa a qualquer momento.

Não se ouvia muitas histórias de violência na época da ditadura. Logo, a vida era mais segura entre 1964 e 1985.

Se índios usam celulares e computadores, que não coisas da cultura deles, logo já não são mais índios.

As mulheres recebem salários menores que os homens. Portanto, elas são menos competentes do que eles.

Eu não sou racista e ninguém que conheço é racista. Então, não existe racismo no Brasil.

Para enriquecer, é só trabalhar duro. Quem é pobre, é que não trabalha o suficiente.

Há corruptos no governo. E o governo é de esquerda/direita. Logo, toda a esquerda/direita é corrupta.

Antes, havia menos gays nas ruas. Agora, os gays se beijam em público. Logo, gays se beijando em público fazem as pessoas virarem gays.

Ele trabalhou desde muito pequeno e se deu bem na vida. Logo, o trabalho infantil faz bem às crianças.

A polícia prende mais jovens negros. Logo, jovens negros são bandidos.

Quais desses pensamentos enlatados, de falsa relação de causa e consequência, você já comprou e revendeu?

Não é uma crítica aonde se quer chegar, longe disso. Que cada um tenha sua opinião.

Mas ao caminho tortuoso que levou até lá.

Não concorda?

Ora, cidadãos devem amar seu país. E quem ama, não critica. Logo, se não o ama, deixe-o.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Como sofismas e falácias dominam o debate público no Brasil - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto