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Forças Armadas em presídios: O Brasil arma a guerra para enganar a si mesmo

Leonardo Sakamoto

19/01/2017 11h48

As Forças Armadas são formadas para a guerra. Em última instância, soldados são treinados para matar e para seguir ordens, sem a liberdade para decisões que levem em conta a situação do local em que estão naquele determinado momento.

Só por isso já seria preocupante o uso de militares em estabelecimentos prisionais.

Parte da população apoia esse tipo de política. Gosta de se enganar e acha que se sente mais segura com o Estado agindo "em guerra" contra a violência – como se isso não fosse, em si, um contrasenso. Acreditam em soluções que não funcionam, como cercas elétricas, muros altos e seguranças particulares ou botar um sujeito com fuzil para vigiar vendedor de maconha preso. Realmente, são apaixonadas por um autoengano.

Há uma probabilidade maior de aproximar militares (que ganham uma merreca) das facções criminosas do que colocar ordem em penitenciárias. Até porque a ordem lá dentro não depende do Estado, mas do entendimento das próprias facções. Discute-se privatização do sistema prisional. Mas já os entregamos à "iniciativa privada", como o PCC. Muitas cadeias, aliás, vivem estáveis porque, nelas, não há disputa concorrencial.

É uma jogada de marketing do governo Michel Temer. Mas que custará caro porque dificulta a revisão da política de encarceramento em massa. Ao invés de destinar a cadeia para quem comete crimes contra a vida, mandaremos todos os indesejados – condenados ou não (mais de 40% do sistema está tomado por presos provisórios) – para uma escola de crime que não ressocializa.

Aliás, militares (treinados para matar e não para o diálogo, como já dito anteriormente) fortemente armados, ocupando favelas em eventos internacionais, tornou-se fato tão corriqueiro quanto o fechamento do Minhocão, em São Paulo, e de uma pista da avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, aos domingos, para o lazer. Afinal, antes a pimenta nos olhos dos outros do que nos meus.

Adotamos o pressuposto de que favelas são um risco porque nelas estão alguns indivíduos ou organizações envolvidas em violência armada organizada. Dane-se a maioria pacífica. Agimos preventivamente para evitar o pior.

Sendo que nós ajudamos a gestar essa violência ao não exigir que o Estado garantisse qualidade de vida e cidadania através de serviços básicos como educação, saúde e lazer nesses locais. Ou mesmo uma perspectiva de futuro à juventude que, dessa forma, acaba empurrada para o tráfico.

Por essa lógica, então, também poderíamos considerar que a presença do Exército em entradas de bairros ricos de São Paulo, Rio, Salvador e Brasília, entre outros lugares, onde moram empresários, banqueiros e políticos que lucram horrores com superfaturamentos e maracutais, poderia ser usada para estancar o desvio de bilhões dos cofres públicos.

Dessa forma, a gente democratiza o absurdo.

Se bem que é melhor nem usar ironia por aqui porque há um monte de maluco capaz de gostar da ideia.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto