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Dez sambas para você encarar o ódio e a intolerância na internet

Leonardo Sakamoto

01/03/2017 09h38

Como Carnaval só acaba quando enforcarem o último Pierrô nas tripas de confete da última Colombina, resolvi resgatar e ampliar sugestões carnavalescas para os leitores suportarem com bom humor a escassez de amor e a falta de interpretação de texto.

Ao receber um insulto na rua, ler um impropério na rede, encarar um comportamento pouco fraterno ou se deparar com a ausência plena de solidariedade, a tendência é perder um pouco mais a fé no ser humano. Para evitar torcer sempre pelo meteoro redentor, preencho, não raro, o vazio decorrente de uma sessão de intolerância explícita lembrando alguns versos de samba.

Neste post, trago dez em resposta a comentários bizarros, que já deveriam estar expostos apenas em museus da intolerância ao invés de correrem soltos por aí, com o risco de passarem sapinho adiante.

1) "Você vai morrer, seu vagabundo defensor de escória!"

Recomendo "Fita Amarela", de Noel Rosa: "Quando morrer, não quero choro nem vela. Quero uma fita amarela, gravada com o nome dela. Não quero flores, nem coroa com espinho, só quero choro de flauta, violão e cavaquinho".

2) "Por que o país não acaba com essa merda de direitos humanos?"

Recomendo "O Mundo é um Moinho", de Cartola: "Preste atenção, querida. De cada amor, tu herdarás só o cinismo. Quando notares, estás à beira do abismo. Abismo que cavaste com os teus pés".

3) "Para que libertar trabalhadores escravizados se eles vão gastar o dinheiro que ganham com cachaça, muitos deles até cometer crimes?"

Recomendo "Agoniza, mas não Morre", de Nelson Sargento: "Inocente, pé-no-chão, a fidalguia do salão te abraçou, te envolveu. Mudaram toda a sua estrutura, te impuseram outra cultura e você nem percebeu…"

4) "Tá com dó de criança de rua/pessoa em situação de rua/usuário de drogas? Leva para casa!"

Recomendo "Partido Clementina de Jesus", de Candeia: "É o progresso, tia Clementina, trouxe tanta confusão. Um litro de gasolina, por cem gramas de feijão. O homem é civilizado. A sociedade é que faz sua imagem. Mas tem muito diplomado que é pior do que selvagem".

5) "Você fica criticando os casos em que os homens batem nas mulheres. Mas, pelas Leis de Deus, há direitos dentro da relação e ninguém pode se intrometer nisso. Você não sabe o que levou o homem a determinado ato, então não se intrometa."

Recomendo "Mundo Melhor", de Pixinguinha: "Você que pensa que é bem não pensar em ninguém e que o amor tem hora. Conto com você, um mais um é sempre dois. Você deve ter muito amor pra oferecer, então pra que não dar o que é melhor em você?"

6) "Essas denúncias de corrupção são falsas! Ele é um homem de deus! Pare de espalhar esses boatos ou faremos você parar" 

Recomendo "Pastor Trambiqueiro", de Bezerra da Silva: "Cuidado com ele, de terno e gravata bancando o decente. É o diabo vivo em figura de gente, é o pastor trambiqueiro enganando inocentes".

7) "Alianças na política são necessárias, seu idiota. Esse mimimi de ética não leva a nada"

Recomendo "Vou Festejar", de Jorge Aragão: "Você pagou com traição. A quem sempre lhe deu a mão".

8) "Você e os seus são um mal que serão extirpados por Deus da face da Terra."

Recomendo "Vá Morar com o Diabo", de Riachão: "Ela quer me ver bem mal, vá morar com o diabo que é imortal. Ela quer me ver bem mal, vá morar com o sete pele, que é imortal. Ai, meu Deus, ai, meu Deus o que é que há? Ai, meu Deus, ai, meu Deus o que é que há".

9) 
"Os negros continuam nessa situação, hoje, porque não quiseram trabalhar pesado ao serem libertados."

Recomendo "Sorriso Negro", de Jorge Portela e Adilson Bispo: "Negro é a raiz da liberdade".

10) "Esses sem-teto/sem-terra são um bando de vagabundos. Apanhar é pouco, deveriam matar mais alguns para que parem de atacar a propriedade alheia."

Recomendo "Apesar de você", de Chico Buarque: "Apesar de você, amanhã há de ser, outro dia…"

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto