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Congresso quer que reivindicações trabalhistas voltem a ser caso de polícia

Leonardo Sakamoto

11/03/2017 10h02

Uma das funções das leis trabalhistas e das instituições que zelam pela sua aplicação e equilíbrio, como a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, é mediar a relação entre as pessoas que vendem sua mão de obra e as empresas e governos que as compram. O sistema não é perfeito, claro, mas tem contribuído para garantir um mínimo de dignidade nas relações de trabalho.

Se essas leis fossem reduzidas a pó e essas instituições perdessem força, como desejam parte dos parlamentares, o que impediria a superexploração de pessoas pobres até o limite de suas forças sob a eterna chantagem do "não está feliz, vá embora porque há quem trabalhe só por comida"? E, por outro lado, o que impediria que trabalhadores que acreditam estar sendo superexplorados, ao invés de começarem uma greve, partissem para a justiça com as próprias mãos?

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É interessante que o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) que, em tese, representa o povo e é responsável pela proposição de leis para que nossa sociedade viva da forma mais harmoniosa possível, considerando as contradições inerentes ao capitalismo, queira um cenário com menos regras e sem instituições para vigiar o cumprimento das regras que sobrarem. Isso fica claro tanto por sua desastrosa declaração de que o Judiciário trabalhista nem deveria existir e pelas pesadas críticas à CLT, culpando-a, inclusive, por desemprego em massa.

Será que Maia e amigos gostariam de ver uma luta de classes ao pé da letra com o mais forte levando a melhor? Pois apesar do que acreditam algumas pessoas com graves problemas de interpretação de texto, "luta de classes" não é ringue de boxe de pobre e rico, mas uma expressão que explica uma dinâmica social, política, econômica e ideológica entre quem detém os meios de produção e quem neles trabalha.

Duas conjecturas a partir desse questionamento:

– Rodrigo Maia e amigos desejam, saudosos do início do século 20, que as reivindicações trabalhistas voltem a ser tratadas como um caso de polícia. Ou seja, parou de trabalhar e reclamou? O pau vai comer.

– Rodrigo Maia e amigos são revolucionários anarco-sindicalistas e querem derrotar o Estado para que os trabalhadores possam, através da autogestão e da democracia direta, governarem a si mesmos. Ou seja, seremos livres quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre.

Desconfio que não é a segunda.

Em 1886, uma greve geral começou no dia Primeiro de Maio em Chicago, nos Estados Unidos, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia. Isso acabou em tragédia, com manifestantes e policiais mortos e sindicalistas condenados (injustamente) à morte. Nos anos seguintes, a data foi escolhida para ser um dia de luta por condições melhores de trabalho. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda-feira de setembro.

Quem visita a cidade norte-americana, encontra uma frase gravada em um monumento: "Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje".

Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários ao longo do tempo, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.

Um dos mais importantes direitos mediados pela Justiça do Trabalho é o direito à greve – que é visto como heresia por parte do mercado e de seus representantes políticos.

Aliás, em qualquer cidade grande brasileira, temos relatos de trabalhadores em greve que ainda apanham, levam tiros e respiram gás. Manifestações que questionam a desigualdade e a injustiça social tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas como subversivas. As "ordeiras", que não mexem com a estrutura econômica e social do país, são aplaudidas pelos governantes de plantão.

A vida já é difícil com alguém mediando o regulamentado direito à greve. Imagine como seria o vácuo disso. Quem decidiria se uma greve é legal ou não? O comandando do Batalhão de Choque da Polícia Militar?

O Brasil está correndo a passos largos para rasgar sua legislação trabalhista. E há políticos e empresários que se esforçam para deslegitimar o sistema do judiciário trabalhista. Se a ampliação da terceirização não significasse redução de direitos, por exemplo, não estariam tentando te convencer tão arduamente de que isso é melhor para você e para o país.

Todos os direitos que temos hoje não foram dados por alguém de forma milagrosa, mas são fruto de lutas brasileiras ou internacionais de gerações. E consequência de muita mediação entre patrões e empregados sob o monitoramento da Justiça e do Ministério Público. É função dos governantes fazer parecer que foram eles que, generosamente, concederam. E função da história dos vencedores registrar isso como fato.

Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato no feriado ou porque tiveram acesso ao próprio FGTS.

Mas dos braços parados que se negam a produzir riqueza quando um diálogo aberto e franco com os empregadores seja estabelecido.

Quem é contra as instituições que possibilitam esse diálogo acredita que o silêncio é libertador. Mas de outra forma, através da repetição incansável do temerário mantra "não fale em crise, trabalhe".

Escondem o fato de que, sem leis e sem Justiça, o que temos é a mais completa barbárie.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto