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Reforma da Previdência pode acabar com política que reduz pobreza no campo

Leonardo Sakamoto

14/05/2017 19h09

A "força tarefa" pela aprovação da Reforma da Previdência – que envolve governo federal e sua base aliada no Congresso Nacional, mas também membros do Poder Judiciário e parte do grande empresariado nacional – elencou como objetivo fazer a população acreditar que as mudanças servirão para salvar o futuro dos mais pobres. O problema é que a proposta faz exatamente o contrário: acabar com um dos maiores programas de distribuição de renda do mundo.

Neste sábado (13), por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso afirmou, em evento em Londres, que o atual sistema previdenciário "envolve uma imensa transferência de renda dos setores mais pobres para os mais abastados".

Ele está certo em afirmar que há injustiças a serem corrigidas. Por exemplo, certos servidores públicos aposentados, como ministros do STF ou mesmo Michel Temer (que se aposentou aos 55 anos), com direito a R$ 30 mil mensais ou mais de pensão mensal. Ou mesmo servidores da ativa que poderão se aposentar com valores muito altos. Poderíamos rediscutir isso – se a reforma não estivesse sendo atropelada no Congresso Nacional. Mas a Previdência Social também distribui muita renda aos mais pobres. E muito antes do Bolsa Família.

Hoje, famílias que comprovarem que trabalharam no campo por, pelo menos 15 anos, conseguem o direito à aposentadoria rural especial. São milhões de pessoas pobres beneficiadas com um salário mínimo por mês após 60 anos (homens) e 55 (mulheres), impedindo o aumento do êxodo rural e fomentando a economia de pequenas cidades.

Pequenos produtores familiares, coletoras de babaçu, pescadores artesanais, entre outros, conforme previsto na Reforma da Previdência, terão que passar a pagar individualmente 180 parcelas mensais de um carnê com uma contribuição que, por enquanto, estima-se ser igual ao do microempresarial individual (5% do salário mínimo). Hoje, recolhem 2,1% de imposto no momento da venda de sua produção – que pode ser anual, por conta da safra. Considerando que essas famílias não ganham dinheiro todos os meses e que muitas delas se mantém com recursos do Bolsa, muitas não conseguirão se aposentar.

Terão que esperar até os 68 anos para pleitear uma pensão para idosos pobres do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – ou seja, oito anos a mais para os homens e 11 anos a mais para as mulheres (o Congresso Nacional quer aumentar a idade mínima das mulheres do campo para 57 anos). Vale lembrar que o BPC é concedido, hoje, aos 65 anos, mas a Reforma da Previdência quer que os mais pobres esperem mais para terem acesso a ele.

A aposentadoria especial rural é deficitária de acordo com a metodologia utilizada pelo governo federal, que desconsidera o valor que o próprio governo deveria aportar para bancar o sistema e também recursos da Seguridade Social. Mas consideremos que essa é a situação. Então, ela representaria um déficit, de acordo com dados do Ministério da Fazenda, cerca de R$ 103,39 bilhões, em 2016.

Ou seja, uma grande transferência de renda dos que têm mais para os que têm menos. É um preço pequeno a pagar para manter um mínimo de dignidade no interior do país. Mas sobre isso Barroso esqueceu-se ou omitiu-se.

Se o ministro está preocupado com a "imensa transferência de renda dos setores mais pobres para os mais abastados", deveria defender em palestras a taxação dos dividendos recebidos de empresas por pessoas físicas. Ou uma mudança no imposto de renda, isentando os pobres e a maior parte da classe média e cobrando mais dos que mais têm, com alíquotas de até 40%. Ou ainda aumentar as alíquotas de nossos impostos sobre heranças e taxar realmente grandes fortunas.

Repito o que já escrevi aqui: muita gente está querendo ganhar a disputa no grito, falando em nome dos mais pobres. Quando esses, na verdade, seguem bestializados com a percepção de um país que explora seu trabalho na juventude e os abandona na velhice.

Sugestão: Que tal combatermos as aposentadorias privilegiadas que certas categorias de servidores públicos, o que inclui do Judiciário, recebem e, ao mesmo tempo, manter a mínima dignidade conquistada por um dos poucos mecanismos de distribuição de renda que funcionam no país?

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto