Três propostas para proteger os pobres de danos na Reforma da Previdência
Leonardo Sakamoto
15/05/2017 13h24
Já que o governo federal e sua base de apoio no Congresso Nacional afirmam que não querem que a Reforma da Previdência afete os mais pobres, seguem sugestões organizadas com a ajuda de economistas para que o discurso deles deixe de ser ficção e se torne verdade.
Proposta do Governo/Congresso Nacional: Aumentar o tempo de contribuição mínimo para 25 anos para aposentadoria de trabalhadores urbanos e rurais
Proposta alternativa: Adotar o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para aposentadoria de trabalhadores urbanos e rurais para pensões de até dois salários mínimos
O Congresso Nacional deveria manter a necessidade de um mínimo de 15 anos de contribuição (180 parcelas mensais) para os trabalhadores se aposentarem com pensões de até dois salários mínimos. Ou uma contribuição mínima de 18 anos desde que os períodos de recebimento de seguro-desemprego sejam contados como tempo de contribuição.
Isso beneficiaria os trabalhadores assalariados mais pobres da cidade e do campo, ou seja operários da construção civil e cortadores de cana, mas também trabalhadores da economia informal que contribuem por conta própria.
Como os ministros do Supremo Tribunal Federal já votaram de forma contrária ao entendimento de que um aposentado volte a contribuir para pleitear um aumento no valor de sua pensão, isso afastaria os trabalhadores da classe média que seguiriam contribuindo para ter uma pensão maior.
Exigir 25 anos de contribuição ininterrupta para trabalhadores assalariados urbanos e rurais como o mínimo de tempo de contribuição para alguém poder se aposentar é ignorar a realidade brasileira. Dados da Previdência Social mostram que 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade no ano de 2015 não conseguiram atingir 25 anos.
Enquanto isso, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Os motivos são a alta rotatividade do mercado de trabalho e a grande informalidade. Ou seja, considerando 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos.
Teremos pessoas que contribuirão, mas não se aposentarão, se aprovadas as novas idades mínimas de 65 e 62 anos, para homens e mulheres respectivamente.
Proposta do Governo/Congresso Nacional: Instituir tempo de contribuição mínimo de 15 anos para aposentadoria especial de trabalhadores rurais da economia familiar
Proposta alternativa: Manter tempo de comprovação de atividade rural de 15 anos para aposentadoria especial de trabalhadores rurais da economia familiar
Aprovada a proposta em trâmite, pequenos produtores familiares, coletoras de babaçu, pescadores artesanais, entre outros, conforme previsto na Reforma da Previdência, terão que passar a pagar individualmente 180 parcelas mensais de um carnê com uma contribuição – que, por enquanto, estima-se ser igual ao do microempresário individual (5% do salário mínimo).
Transformar 15 anos de comprovação de atividade, como é hoje, em 15 anos de contribuição – como quer o relator (o governo havia proposto, originalmente, um "bode na sala" de 25 anos para a economia familiar rural também) é jogar os trabalhadores da economia familiar rural para fora do sistema de aposentadorias.
Hoje, eles recolhem 2,1% de imposto no momento da venda de sua produção. E todos os adultos da família que trabalham juntos podem pleitear sua aposentadoria se comprovarem os 15 anos no campo. Pela proposta do governo, apesar de todos os membros de uma família trabalharem na produção, essas famílias pobres, que não têm dinheiro para pagar os carnês de toda a família, terão que escolher uma única pessoa para contribuir mensalmente e poder receber o benefício. Isso se conseguirem pagar.
Para melhorar a conta neste setor, o governo deveria aprimorar o processo de arrecadação através do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIC) para a área rural. Isso permitiria identificar quem são os segurados na área rural e demandar que eles informem sistematicamente os dados de venda de seus produtos, quando elas acontecerem. Dessa forma, evita-se fraude (como o recebimento do benefício por pessoas que não são do campo) e a sonegação (na contribuição) de grandes empresas no campo que compram a produção familiar. Lembrando que isso só ajuda se o governo federal e o Congresso Nacional pararem de anistiar dívidas de grandes empresas e proprietários rurais que são devedores.
A aposentadoria especial rural, concedida no valor de apenas um salário mínimo, seguiria bem deficitária, claro, se considerada apenas a arrecadação da Previdência Social e não da Seguridade Social como um todo. Mas a aposentadoria rural especial é o maior programa brasileiro de distribuição de renda ao lado do Bolsa Família. Ou seja, é um preço pequeno a pagar diante da possibilidade de evitar mais êxodo rural, mais inchaço das grandes cidades e garantir soberania alimentar – uma vez que a agricultura familiar fornece boa parte dos alimentos que consumimos.
Proposta do Governo/Congresso Nacional: Aumentar a idade mínima para solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos pobres de 65 para 68 anos ou 70 anos
Proposta alternativa: Manter a idade mínima para solicitar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos pobres em 65 anos
A expectativa de vida no Brasil aumentou e tende continuar aumentando, bem como os índices de sobrevida após os 65 anos. Mas segue difícil para os mais pobres com 65 anos ou mais conseguirem um emprego ou mesmo um bico dedecente.
Considerando que uma massa de trabalhadores mais pobres não conseguirá se aposentar por conta das mudanças nas regras de aposentadoria, o governo federal propôs o aumento da idade mínima para que idosos pobres possam pleitear o benefício de um salário mínimo mensal de 65 para 70 anos. O relator da Reforma da Previdência, após pressão de parlamentares, baixou para 68 – com um regra de transição que aumenta a idade nos próximos anos. Portanto, quem está na categoria de pobreza extrema, que o governo diz que não será punido, terá sim que esperar mais tempo.
Como o acesso ao BPC é para famílias com renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, nem todos os idosos pobres terão acesso a ele. Só aqueles que são considerados matematicamente pobres ou extremamente pobres por padrões internacionais. Os outros, que não entrarem no corte, vão ter que escolher entre rebaixar sua remuneração familiar para poderem receber o benefício ou continuar trabalhando, provavelmente com bicos e subempregos, até conseguirem se aposentar por um valor maior.
A Reforma da Previdência precisa de um debate mais aberto, franco e sem pressa para podermos redesenhar, de forma democrática, como será a política de aposentadoria que um Brasil mais velho deverá ter. O governo não pode simplesmente dizer que isso não afeta os pobres e esperar que não haja contraproposta.
Tudo isso tem um custo, claro. Mas o cálculo tem que ser feito considerando a qualidade de vida da população mais vulnerável. E não transformar a dignidade em mais um digito em uma planilha.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.