SP inaugura mais uma etapa higienista: Derrubar imóveis com pessoas dentro
Leonardo Sakamoto
23/05/2017 23h05
Não bastasse a ação violenta e pirotécnica contra pessoas que sofrem de dependência de drogas levada a cabo pelos governos Geraldo Alckmin e João Doria, na região conhecida Cracolândia central, a Prefeitura de São Paulo resolveu inovar em sua política higienista, nesta segunda (22), passando a demolir prédios no local com pessoas dentro.
Três ficaram feridas quando uma escavadeira do município atingiu uma pensão ainda ocupada. Tanto o prefeito quanto o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Filipe Sabará, desapareceram do local assim que a demolição aconteceu, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo.
Horas depois, o secretário de Serviços e Obras, Marcos Penido, deu uma justificativa aos jornalistas que apenas reafirma o despreparo do poder público para lidar com a situação: "Essas pessoas entraram por uma passagem clandestina. Foi uma situação inusitada". A Prefeitura diz que havia avisado das demolições e vistoriado os locais, mas moradores e comerciantes com imóveis atingidos contestam e afirmam que não foram informados.
"Essa ação tem como objetivo 'liberar' a região para que seja reconstruída, expulsando quem lá mora, sendo ou não usuário de crack", explica Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). A Plataforma, junto com a Conectas, denunciarão a operação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos nesta semana.
"A prefeitura e o governo do Estado não apresentaram nenhum plano para as pessoas que estão ali, sobretudo os que fazem uso problemático de crack e álcool. Só apresentou pontos vagos, como os abrigos e o tratamento nas comunidades terapêuticas vinculadas ao projeto 'Recomeço', ambos limitados à perspectiva da internação", completa.
Ninguém nega a urgência de ampliar os programas de atendimento a essa população. A questão é que as opções escolhidas pelas diferentes esferas do poder público atacam os direitos fundamentais, sem se dignar a ouvir os grupos diretamente envolvidos e a construir saídas junto com eles.
Não se busca o desenvolvimento e a implantação de políticas públicas de inclusão. Ao invés disso, afia-se a falta de bom senso. Enxota-se, rasga-se a cidadania, limpando a cidade para os que "fizeram por merecer". Ou "herdaram" esse direito.
Porém, não nos enganemos. Não são muitos os que se preocupam com o sofrimento dessas pessoas. Há tantos e tantos paulistanos que, infelizmente, defendem uma "faxina social" dessas "classes perigosas", desses "entraves ao progresso", desses "perigos para nossos filhos". Para ser honesto, o desejo mais sincero de uma parte da população é de que essa "limpeza" seja dura e rápida, para garantir tranquilidade.
E não faça muito barulho. Para não melindrar o "cidadão de bem", que têm horror a cenas de violência.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.