Temer diz que Deus o colocou lá. Que Deus? Eduardo Cunha ou o Mercado?
Leonardo Sakamoto
27/06/2017 23h32
Temer disse, nesta terça (27), que não sabe a razão de Deus tê-lo colocado na Presidência da República.
"Tenho orgulho de ser presidente. Convenhamos, é uma coisa extraordinária. Para mim é algo tocante. É algo que, não sei como Deus me colocou aqui, dando-me uma tarefa difícil, mas certamente para que eu pudesse cumpri-la. Especialmente pelos avanços que meu governo praticou e não permitirei que me acusem de crimes que jamais cometi."
Não acredito que Temer se veja como o eleito, o ungido, o escolhido pelo toque do divino para liderar uma nação na direção de seu futuro glorioso. Líderes políticos brasileiros sempre apelaram ao messianismo, o que é deprimente. Mas no caso de Temer chegaria a ser constrangedor.
Há dois candidatos a merecer o codinome de "Deus" por Temer.
Primeiro, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-deputado federal e hoje, detento por conta da Lava Jato, Eduardo Cunha. Foi ele quem tornou possível o impeachment de Dilma Rousseff. E quando os deputados proferiam seus votos em nome de Deus (sendo contra ou a favor da saída de Dilma, você há de convir que aquela votação foi bizarra), era em Cunha, no dinheiro e nas promessas que ele trazia, em que pensavam.
Muitos imaginaram que, derrubando o governo do PT, seria possível chegar a um "grande acordo nacional" para salvar suas peles das consequências da Operação Lava Jato. Não deu muito certo.
Mas "Deus" também pode ser o mercado financeiro e as grandes empresas.
Temer recebeu duas tarefas do poder econômico: "Combater a crise econômica jogando a fatura para longe do colo dos mais ricos" e "Aproveitar a crise para reduzir o Estado – não na parte que garante subsídios, desonerações e isenções de impostos sobre lucros e dividendos, o que beneficia aos ricos, mas reduzindo a parte que atende às necessidades da xepa humilde".
Acuado por denúncias de corrupção envolvendo a ele, sua equipe e sua base de apoio, colocou seus aliados para apressar as ditas reformas estruturais assim que substituiu Dilma Rousseff. Patos Amarelos que não se incomodam tanto com a corrupção desde que a missão seja cumprida prometeram apoio. Até porque, pelo que mostram as delações, tem muito Pato Amarelo com lama até o bico.
Enquanto isso, o Deus cristão está com paradeiro desconhecido. Após Temer dizer que foi ele quem o colocou lá, Ele estaria sendo procurado pela Polícia Federal. Tendo em vista o histórico do tipo de relação do ocupante da Presidência da República, discute-se se isso significa que o Santíssimo levou algum. Ou carregou alguma mala.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.