É triste ver sindicato rifar trabalhador em troca de imposto sindical
Leonardo Sakamoto
05/07/2017 18h48
O Pato /Vinha cantando alegremente / Quém! Quém!/ Quando um Marreco / Sorridente pediu / Para entrar também no samba / No samba, no samba Foto: Fernando Bezerra Jr. (EFE)
Sou a favor do fim da obrigatoriedade de que trabalhadores paguem um dia de trabalho ao ano para o sindicato que os representam.
Mas também defendo o fim da unicidade sindical. Ou seja, chega de apenas um sindicato representar uma categoria por região. Afinal, o trabalhador tem o direito de escolher quem o represente. Basta de apoiar sindicatos de fachada montados para que alguns ganhem dinheiro e patrões se divirtam. Que se fortaleçam entidades que representam, de verdade, o interesse dos trabalhadores.
E por que não ir além? Sou a favor de que, em negociações coletivas, devam ser envolvidos os representantes de empregados e empregadores de todas as atividades de uma mesma cadeia de valor. Se isso acontecer, as conquistas obtidas pelos empregados diretamente contratados também valeria para os das empresas terceirizadas ou dos fornecedores.
Por exemplo, metalúrgicos que trabalham para pequenas empresas de autopeças seriam beneficiados pelos ganhos nas negociações que os trabalhadores da montadora. E cortadores de cana teriam as mesmas proteções e os mesmos acessos a benefícios que os empregados das áreas industriais das mesmas usinas sucroalcooleiras. Isso desestimularia a terceirização com o objetivo de ganhar competitividade baseado na superexploração de trabalhadores.
O que arrepia as penas de muitos Patos Amarelos.
E já que estamos falando em moralização, bora acabar também com a contribuição obrigatória de bilhões para o sistema S. As associações empresariais defendem o fim do imposto sindical porque a queda em sua arrecadação decorrente disso não seria expressiva. Afinal, a maior mordida nos empresários é através da contribuição obrigatória para o sistema S, que é de onde elas tiram seu poder de influência – como bem mostrou Raquel Landim, na Folha de S.Paulo. Senac, Sesc, Senai e Sesi fazem um trabalho importante, que deve continuar. Mas essa contribuição também deveria ser voluntária, além de mais transparente.
Acredito que devemos incentivar as negociações entre empregados e empregadores sim e que o resultado delas possa prevalecer. Mas o projeto de Reforma Trabalhista proposto pelo governo Temer quer ampliar isso sem garantir que os dois lados estejam em pé de igualdade. Em muitas categorias, será um massacre.
Para evitar isso e fomentar a libre negociação, precisamos ter duas coisas: primeiro, um patamar mínimo de regras, definido em lei, para garantir a saúde, a segurança e a dignidade do trabalhador. E, para chegarmos a esse patamar mínimo, uma grande discussão pública é necessária, ao contrário de passar um rolo compressor como o governo está fazendo.
Segundo, temos que criar processos para fortalecer os bons sindicatos. Por isso, a meu ver, Reformas Sindical, Tributária e Política deveriam preceder as Reformas Trabalhista e Previdenciária.
Quem vai se dar mal com a mudança atualmente proposta não são categorias fortes, que devem continuar bancando seus sindicatos. Ironicamente, os sindicatos fortes – que se tornaram alvos do ódio de parte do empresariado e dos guerreiros do capital alheio – são aqueles que seguirão seus caminhos. Mas os trabalhadores de categorias pouco organizadas, representados hoje por sindicatos fracos ou corruptos, perderão quando a negociação for mais livre.
O ideal seria que houvesse um período mais longo de transição nas mudanças para que os sindicatos mais fracos se reorganizassem e trabalhadores substituíssem aqueles que dizem falar em seu nome, mas agem em nome do próprio interesse. Ao mesmo tempo, para se definir como uma futura contribuição voluntária se daria, por votação em assembleia de trabalhadores ou outra forma, um debate no Congresso Nacional, com representantes de empregadores e empregados, se faria necessário.
E não acertos palacianos de última hora com algumas centrais sindicais para facilitar a aprovação da Reforma Trabalhista, como tem feito o governo.
Tempo: tudo o que o governo tem negado a esta discussão.
Uma observação é pertinente, contudo. Da mesma forma que o fim da unicidade sindical não está na mesa porque é matéria constitucional, muitos são os que apontam o mesmo para o fim da contribuição sindical obrigatória.
Ou seja, haverá questionamentos até que o Supremo Tribunal Federal decida sobre o tema. Portanto, é provável que os principais beneficiados com essa mudança no curto e médio prazos não sejam nem patrões, nem trabalhadores, mas os escritórios de advogados.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.