Temer tem recurso para "convencer" deputado, mas não para resgatar escravo
Leonardo Sakamoto
14/07/2017 10h59
Trabalhadores vítimas do tráfico de pessoas para o trabalho escravo são resgatados no Pará (Foto: Leonardo Sakamoto)
O governo federal está desembolsando rios de dinheiro no processo de convencimento de partidos e deputados para que seja rejeitado o pedido de autorização para que a Suprema Corte transforme Temer em réu por corrupção passiva. Ganhou na Comissão de Constituição e Justiça por 40 a 25. Agora, a decisão deve ir à votação no plenário quando Deus – que, segundo Temer, foi quem o colocou lá – quiser e garantir quórum para tanto.
Transformar parlamentos em feira livre é prática comum entre presidentes, governadores e prefeitos e representantes do povo fisiológicos. Desta vez, não houve preocupação nem em maquiar o que estava acontecendo – era tudo à luz do dia, inclusive com barracos causados pela indignação de deputados trocados por não serem tão "simpáticos" a Temer.
O comércio político chama ainda mais atenção em meio à grave crise econômica. Se o Brasil está quebrado, de onde o governo tira tanto dinheiro para "convencer" político? Afinal, convenhamos, deputado e partido são coisas caras. A pergunta é retórica, claro, porque sai do bolso do contribuinte. Ou da liberdade de alguém.
Enquanto a "aquisição" de apoio ocorre livre no Congresso, os recursos para se combater trabalho escravo contemporâneo correm o risco de secar antes do final do ano. Técnicos do Ministério do Planejamento informaram a este blog que, a menos que o governo encontre recursos de outro lugar, o montante para atender denúncias de trabalho escravo não chega até o final do ano. Mal termina agosto.
Sem dinheiro, as equipes de fiscalização do governo federal que verificam denúncias, retiram pessoas dessas condições e obrigam os empregadores a pagarem os salários e direitos atrasados podem parar.
Desde 1995, essas equipes, coordenadas pelo Ministério do Trabalho, libertaram oficialmente mais de 50 mil pessoas em criações de gado, carvoarias, áreas de extrativismo vegetal e mineral, fazendas de soja, café, frutas, erva-mate, oficinas de costura, canteiros de obras, bordeis, entre outros. São a base da política nacional de enfrentamento a esse crime, reconhecida como exemplo pelas Nações Unidas, criada pelo governo Fernando Henrique, melhorada por Lula, mantida por Dilma e, até agora, seguindo – a trancos e barrancos – com Temer.
Em meio a uma crise como essa, que precarizou a qualidade de vida dos trabalhadores pobres do campo e das cidades, o dinheiro deveria ser destinado a garantir um mínimo de dignidade à população. Mas o que vamos ver é que, seguindo esse ritmo, trabalhadores pobres não ganharão a liberdade porque não há dinheiro para enviar funcionários públicos para tanto. Mas há para "convencer" deputado.
(Se bem que o mercado de trabalho que os resgatados da escravidão encontrariam, após a Reforma Trabalhista, em alguns aspectos de retirada de proteção à saúde e segurança, vai ser semelhante ao que já viam em cativeiro.)
A situação dos recursos destinados ao restante da fiscalização do trabalho não é melhor do que isso.
Parte do poder econômico que já acena para Rodrigo Maia como o próximo corpo a reencarnar a Reforma da Previdência caso Temer morra politicamente, parece não se importar com a imoralidade de tudo isso. Afinal, conseguiram a Lei da Terceirização Ampla e a Reforma Trabalhista e, apesar de não morrerem de amores pelo poeta de Temer, aceitam qualquer coisa que a) tire a crise do colo dos mais ricos; b) aproveite o momento para reduzir os custos públicos destinados à proteção social em nome da manutenção de subsídios e outras benesses; c) garanta um ambiente para que ganhem dinheiro.
Regras de convivência social e exigências éticas são para serem seguidas…desde que você não tenha nascido em berço de ouro, tenha dinheiro e exerça poder. Se você preenche os três requisitos, voa, voa passarinho, divirta-se, o mundo é seu. Caso contrário, está perdendo tempo lendo esse texto. Deveria estar trabalhando.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.