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O Pato Amarelo reclama de Temer, mas "esquece" que foi ele quem o chocou

Leonardo Sakamoto

21/07/2017 10h19

Manifestação pelo impeachment de Dilma Rousseff. Foto: Agência Brasil

O pato amarelo, símbolo da campanha da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) contra aumento de impostos, reapareceu, nesta sexta (21), em frente à sede da entidade na avenida Paulista, por conta do anúncio da alta no preço dos combustíveis pelo governo federal.

A ave inflável se tornou uma espécie de mascote do impeachment de Dilma Rousseff. Bancado com o dinheiro de empresários, esteve presente em várias manifestações pelo país. Alcançado o seu objetivo, murchou e desapareceu. Mesmo diante de um tsunami de denúncias de corrupção e uso de montanhas de recursos públicos para manter Temer no poder, o pato ficou em silêncio. Agora, a Fiesp traz ele de volta, junto com uma nota pública dizendo que "nesta semana, ficamos indignados com o anúncio da alta de impostos sobre os combustíveis".

A indignação só veio nesta semana? E só pelo aumento desse imposto? De uma coisa não podemos acusar o pato amarelo: de falta de coragem de parecer ridículo.

Temer chegou ao poder com o apoio aberto do grande empresariado com duas missões: jogar a conta da crise econômica criada pelo governo Dilma para longe do colo dos mais ricos e aproveitar a janela de oportunidade dada por um presidente não eleito (e que não seria reeleito) para implementar reformas impopulares. Reformas que reduziriam o tamanho da proteção social do Estado a fim de manter as políticas de apoio ao desenvolvimento econômico e empresarial. Em resumo, tirar dos pobres para dar aos ricos.

Temer e aliados foram figuras constantes em eventos para o grande empresariado, quando eram efusivamente aplaudidos ao prometer as Reformas Trabalhista e da Previdência. Enquanto isso, falava ao trabalhador apenas por propagandas a fim de tentar convencê-lo de pagar o pato pela crise.

E ele pagou. Pagou com a aprovação da PEC do Teto dos Gastos e a limitação de investimentos públicos em áreas como educação e saúde por duas décadas. Pagou com a Lei da Terceirização Ampla, que deve ampliar a precarização do trabalho. Pagou com a aprovação da Reforma Trabalhista, na qual as medidas negativas superam, em muito, as positivas – principalmente no que diz respeito à saúde e segurança do trabalhador mais pobre.

Vamos entender como foi construída a Reforma Trabalhista, menina dos olhos do pato amarelo. A partir de meia dúzia de propostas encaminhadas pelo Palácio do Planalto, ela ganhou corpo na Câmara dos Deputados pelas mãos do relator Rogério Marinho (PSDB-RN). Grosso modo, o texto é um misto de demandas apresentadas por federações e confederações empresariais com certos votos derrotados em julgamentos do Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. O governo tratorou o processo e, com isso, o texto foi pouco discutido pelos deputados federais e senadores e aprovado à toque de caixa.

Temer e aliados precisam do apoio do pato para se manter no poder e afastar de si mesmos a lâmina da guilhotina da Lava Jato. E enquanto tocam sua agenda pró-mercado, o poder econômico faz silêncio sobre as denúncias de corrupção envolvendo o ocupante da Presidência da República e seu governo.

Vale lembrar que, em sua delação, Marcelo Odebrecht afirmou que repassou R$ 2,5 milhões à campanha do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, quando este concorria ao governo de São Paulo pelo PMDB em 2014. O pedido teria sido feito pelo diretor-presidente da CSN, Benjamin Steinbruch.

Ironicamente, Temer foi atingido em cheio por denúncias de corrupção por donos de indústrias, como foi o caso das gravações de Joesley Batista, da JBS. E nada de quac do pato. Daí, o governo federal desembolsou centenas de milhões de reais em emendas parlamentares a fim de "comprar" a rejeição à denúncia de corrupção contra ele em um momento de corte de gastos. E também nada de quac do pato.

Pelo contrário, em uma sincera entrevista concedida ao jornal Estado de S. Paulo, Paulo Skaf afirmou que "não cabe à Fiesp falar sobre renúncia de Presidente da República (…) Cabe à Fiesp defender reformas estruturais para recuperar a competitividade". Questionado sobre desigualdade de tratamento por conta do impeachment de Dilma, ele disse que a situação era diferente, que o país havia perdido o controle e isso não estaria acontecendo agora. E que "cabe à Fiesp discutir economia, não política". Como se alguém acreditasse que o pato foi usado apenas contra as propostas do PT de aumento de impostos.

(Mas agora vocês sabem de onde vem os míseros 7% de aprovação ao governo Temer na última pesquisa Datafolha.)

O que ele entende por perder o controle é a manutenção dos interesses de determinado grupo econômico sobre os do restante da sociedade. Neste momento, o Congresso Nacional prepara um perdão de até 99% nos juros e multas de devedores de impostos, o que pode significar uma perda de arrecadação cerca de R$ 250 bilhões. Ao mesmo tempo, segue a farra de subsídios e desonerações a empresas. O único quac do pato é um soluço de felicidade ao comemorar essas notícias com um bom uísque.

O poder econômico professa a fé da imortalidade das reformas. Enquanto Temer entregar o prometido, terá o apoio deles. Caso contrário, as reformas que faltam, como a da Previdência, reencarnarão no corpo de outro semovente. Como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

Este governo entregou a alma do país ao pato amarelo. Agora que aumentou o PIS/Cofins sobre os combustíveis, o pato volta das trevas para assombra-lo. Não sou simpático às políticas do governo, muito menos aos seus métodos e ética, mas eu diria que isso é chantagem casada com oportunismo. Como o governo não vai rever esse aumento, a tática serve como pressão em relação a novos aumentos de impostos, somada à chance de tentar descolar a imagem do poder econômico deste governo.

Sinto informar, mas este governo é filhote seu. Quem chocou o ovo, que agora o aninhe entre suas asas. Ou arque com a responsabilidade da sujeira que ele espalhou por aí e se una ao restante do país para resolver o problema. Eleições diretas seriam uma ótima saída – mas é bom que saibam que a Reforma da Previdência não passa pelo crivo popular da urna.

 

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto