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Temer confessa plano secreto para levar Brasil de volta aos anos 80

Leonardo Sakamoto

10/08/2017 20h36

Michel Temer, em 1984, em uma das vezes que foi secretário de segurança pública de São Paulo. Foto: Olivio Lamas/Agência O Globo

Há um plano secreto de Michel Temer de nos levar de volta aos anos 80.

Nesta quinta (10), ele não percebeu, mas deixou escapar mais evidências. "Quero dizer da minha satisfação de estar aqui e, convenhamos, para recordar um pouco os bons tempos de 82 e 83 quando o mundo, pelo menos para mim, era mais tranquilo", afirmou o ocupante do Palácio do Planalto.

Considerando que o Brasil ainda vivia uma ditadura militar e que Paolo Rossi enterrou, com três pás de cal, na Copa de 1982, a última seleção brasileira que realmente jogou bonito, pode-se dizer que Temer não se importava muito com a democracia. Nem com futebol. O que faz dele, certamente, uma pessoa de caráter duvidoso.

Tenho reunido, neste blog, alguns indícios de que Michel Temer quer nos levar de volta à década perdida, como foram chamados os anos 80 devido à estagnação econômica. Vamos a alguns deles.

Em junho, ele disse que conversou com os "soviéticos" em viagem oficial à Rússia: "Estive agora recentemente em Moscou, na Rússia, e depois na Noruega, e verifiquei o interesse extraordinário dos empreendimentos soviéticos, o deputado Perondi lá esteve em nossa comitiva, e nós pudemos verificar o interesse extraordinário de empresários soviéticos e noruegueses, no nosso país, pelo que está acontecendo no país".

Como todos sabem, menos ele e algumas pessoas com prisão perpétua na Sibéria, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas deixou de existir em 1991. Poder-se-ia afirmar que foi uma gafe isolada. Mas o próprio Palácio do Planalto havia divulgado, em sua agenda, uma visita oficial à "República Socialista Federativa Soviética da Rússia".

Outra evidência: em janeiro deste ano, no Rio Grande do Sul, durante uma cerimônia de entrega de ambulâncias, Temer – referindo-se ao ministro da Saúde – afirmou: "Em pouquíssimo tempo, ele anunciou a economia de 800 milhões de cruzeiros, que significam novas UPAs, novas UBSs e também novas ambulâncias." O cruzeiro, moeda corrente em vários momentos da história do país, vigorou entre 1970 e 1986.

Mais prova: Temer se esforçou tanto que a aprovação de seu governo bateu nos 5%, segundo pesquisa Ibope, abaixo até do recordista anterior, José Sarney – que alcançou 7% em seu pior momento nos anos 80. Lembrando que era uma época de hi-per-in-fla-ção. Para a molecada que não sabe que droga é essa: empregados de supermercados chegavam a retirar o produto da mão da gente para remarcá-lo com um novo valor, que subia mais de uma vez por dia.

Isso sem contar que ele aprovou a PEC do Teto dos Gastos, congelando os gastos públicos em áreas como educação e saúde pelas próximas duas décadas. Com isso, conquistas garantidas pela Constituição de 1988 serão perdidas. Na época da aprovação, Temer afirmou que essa era a medida legislativa mais séria e responsável desde a Constituição Federal de 1988.

Ao mesmo tempo, conseguiu passar a Lei da Terceirização Ampla e a Reforma Trabalhista, mudanças que vão reduzir a proteção à saúde e à segurança do trabalhador, voltando atrás em avanços obtidos ao longo das décadas de 80 e 90. E está vendendo a alma para acelerar a votação da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. O texto proposto dificultará a aposentadoria dos mais pobres nas cidades, empurrando-os para a fila da assistência social. Ao mesmo tempo, pode emperrar a aposentadoria de trabalhadores rurais da economia familiar. Milhões vão encarar novamente a penúria pela qual os mais idosos passavam antes da Constituição de 1988.

Todas essas políticas provocaram um chamamento a uma greve geral, ocorrida no dia 28 de abril. E muitos vão concordar comigo que greve geral é algo muito com a cara dos anos 80 e 90, portanto, nossa mais uma evidência. As pautas são diferentes das de março de 1989, maio de 1991 e junho de 1996, mas o clima de descontentamento geral com a economia, a política e o futuro do país uniram esses momentos da história.

Cirúrgico, Temer falou de 1982 e 1983, mas não de 1984 – quando a campanha pelas "Diretas Já" ganhou às ruas, exigindo eleições à Presidência da República.

O que nos traz mais provas: No final do ano passado, a base de apoio de Michel Temer na Câmara dos Deputados conseguiu barrar a proposta de uma emenda constitucional que permitiria uma nova eleição direta para presidente caso o cargo ficasse vago até junho de 2018. Em 25 de abril de 1984, a base de apoio do governo João Figueiredo na Câmara dos Deputados conseguiu barrar a proposta de emenda constitucional que permitiria uma nova eleição direta para presidente.

Apresentadas as evidências, que acho mais do que suficientes para mostrar que Temer nos quer nos anos 80, gostaria de pedir a ele que vá à TV para fazer um pronunciamento à nação avisando que mudanças serão necessárias a fim de adaptar nosso país àquela gloriosa década.

Uma recauchutada nos guarda-roupas, como ressuscitar blazers com ombreiras, comprar algumas jaquetas de couro largas e jeans de cintura alta, tirar as polainas de cores brilhantes da naftalina. Procurar LPs do Richie, com Menina Veneno, e do The Police, com Every Breath You Take. Proibir a Fafá de Belém (ou Vanusa) de cantar o Hino Nacional e colocar Kátia, com Não Está Sendo Fácil. Deixar os os mullets crescerem. Abandonar o PlayStation e adotar um Atari. Trazer de volta a gordura trans. Não, gordura trans melhor não.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto