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Guardar R$ 51 mi em dinheiro, comprar joias e gado ou ter conta na Suíça?

Leonardo Sakamoto

06/09/2017 03h14

Foto: Divulgação

Quando a Polícia Federal estourou um "cativeiro" em Salvador, libertando mais de R$ 51 milhões (R$ 42.643,500,00 e US$ 2.688.000,00) que estavam presos em caixas e malas, nesta terça (5), veio à tona uma preocupação importante destes tempos insanos: como manter a salvo o dinheirinho pelo qual muito político vendeu a alma, rifou o país e até suou a camisa?

A pergunta, claro, não tem uma resposta única. Depende do perfil do envolvido. O imóvel onde ocorreu a maior apreensão de dinheiro na história do país seria usado, segundo investigação da Polícia Federal, por Geddel Vieira Lima. Acusado de corrupção e cumprindo prisão domiciliar, foi ministro de Temer e de Lula. Ele faz o estilo "cara-de-pau", do tipo que nem pisca quando vai a um protesto gritar contra a corrupção, então é natural que opte por algo espalhafatoso.

Mas há opções para todos os gostos. Umas mais cômodas que outras, outras mais fáceis de esconder.

Manter dinheiro em espécie: Não é tão simples, uma vez que o valor máximo de uma nota no Brasil é de R$ 100,00. Pode ser, portanto, um trabalho hercúleo transportar a carga se ela estiver na casa dos milhões. O problema é que pilhas de garoupas e onças-pintadas sempre rendem boas fotos para estampar a primeira página de um jornal de circulação nacional. Ou pior: a escalada de notícias do Jornal Nacional. João Batista Ramos (R$ 10,2 milhões), então deputado federal e bispo da Igreja Universal, e Roseana Sarney (R$ 1,3 milhão), então governadora do Maranhão, que o digam.

Guardar joias e ouro: Mais prático, é uma das principais opções do naco da elite brasileira que quer mandar riqueza para fora ou trazê-la para dentro sem despertar muitas suspeitas. Como existe um comércio ilegal desses produtos, há uma certa liquidez do "investimento" – no que pese ele perder muito o seu valor assim que é retirado da loja. É a opção do coração de Sérgio Cabral, que teria gasto R$ 11 milhões com a aquisição de 189 joias. O ex-governador do Rio de Janeiro refuta a tese de lavagem de dinheiro e diz que os mimos foram comprados com sobras de campanha. O problema é que sempre tem uma H.Stern pronta para bater com a língua nos dentes e confirmar que vendeu sem nota fiscal.

Comprar gado: Bois têm sido, há muito, uma excelente saída para quem quer guardar dinheiro não-rastreável. Primeiro, porque nosso sistema de controle de comércio de animais permite fraudes na compra e venda de animais. Além do mais, o boi é uma lavanderia de dinheiro ambulante, ou seja, dá para transferir para uma fazenda vizinha se ocorrer uma fiscalização ou tocar o investimento até outra cidade. Um exemplo de fã de explicações bovinas é o senador Renan Calheiros. Em 2007, para justificar-se diante das denúncias de que recebia recursos de um lobista de empreiteira para pagar a pensão a uma filha, ele apresentou documentos frios de que havia recebido esse valor através da venda de gado. O suposto comprador disse, contudo, que isso era história para boi dormir. O risco é, durante a engorda do gado, acabar sendo pego por usar trabalho escravo ou desmatamento ilegal.

Contas na Suíça: É muito mais fácil e prático passar um cartão, emitir um cheque ou fazer um DOC/TEC do que buscar dinheiro em apartamentos e vender bois ou joias. Mas é preciso ressaltar que o país do chocolate, dos picos nevados e dos escritórios da ONU já não é mais tão seguro para isso – o Ministério Público de lá tem sido menos tolerante com recursos de origem irregular ou criminosa. O grande exemplo recente de usufrutuário desse modelo é o ex-presidente da Câmara dos Deputados e hoje presidiário Eduardo Cunha que, um dia após ter dito que não possuía contas no exterior, recebeu um passa-moleque do MP suíço que mostrou que mentira tinha perna curta.

Mas comparado com o montante que o eterno Paulo Maluf mandou para contas na Suíça e na Ilha de Jersey, desviado da Prefeitura de São Paulo, as cadernetas de Cunha, as caixinhas de Geddel, as joiazinhas de Cabral e a vaquinhas de Renan são pó. Estima-se em mais de US$ 1 bilhão degredados e que esperam, um dia, poder voltar para casa. Assim também esperamos nós, paulistanos, que estamos com saudades deles.

Enfim, não precisa se preocupar. Para quem deseja privacidade a fim de curtir uns momentos íntimos com seu dinheiro, há várias formas de guarda-lo longe do olho gordo alheio. Se ele estivesse beneficiando seus devidos proprietários, o povo, seria rapidamente torrado em loucuras, como garantir leite para crianças, pagar salários atrasados de professores, adquirir remédios para postos de saúde ou manter as bolsas de pesquisadoras que fazem nossa ciência.

Melhor que fique, portanto, bem guardadinho, nas mãos de quem vai transformá-lo em luxo, usá-lo para fazer mais dinheiro ou comprar algo que realmente importa, ou seja, outro político.

 

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto