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Joesley, Geddel, Palocci: Por que o roteirista do Brasil é imbatível?

Leonardo Sakamoto

09/09/2017 12h27

Cortinas da última semana se abrem. Entra em cena um grupo vestido de amarelo-CBF. No meio dele, surge Alckmin. Após olhar para os céus e pedir a proteção de São Antônio de Pádua, comenta com um assessor que o maior arrependimento de sua vida foram as eleições de 2016. Logo atrás, vem um sorridente Doria, vestido de gari, quer dizer, de pintor, quer dizer de indígena, quer dizer de policial, dizendo que nada vai separá-lo do governador. E, enquanto tenta puxar um tapete, xinga um dos jornalistas que lhe faz perguntas.

Aparece Temer, em um púlpito com rodinhas, que cruza lentamente o palco da esquerda para a direita. Ele faz um pronunciamento à nação dizendo que a semana foi de "boas novas". No púlpito, uma foto autografada de Geddel, seu Best Friend Forever. De repente, a imagem dos R$ 51 milhões, descobertos em Salvador, é projetada num telão ao som de "Regime Fechado", de Simone e Simaria.

Um oráculo com o rosto de José Simão aparece da escuridão e diz à plateia: "Todos têm que dar sua cota de sacrifício em nome da reforma das aposentadorias. Com a apreensão dos R$ 51 milhões, os caciques do PMDB dão a sua".

Do fundo da plateia, em direção ao palco, surge Lula explicando a um grupo de fãs que Palocci nunca o prejudicaria. "É meu companheiro há 30 anos." Nesse momento, o depoimento do "Italiano" à Lava Jato é tocado nos autofalantes do teatro e entra Sergio Moro de toga e capa de super-herói, acompanhado de Palocci, vestido como servo medieval da Alta Baviera. Também entra em cena um grupo de pessoas vestidas de vermelho-Che gritando e arrancando os cabelos, dizendo-se chocadas com a delação – não com com o conteúdo.

Volta o oráculo: "Até a espuma do chope do Pinguim, em Ribeirão Preto, sabia quem Palocci era. Menos membros de seu partido e seu líder. Ahã, Claudia, senta lá".

Aparece Joesley Batista cambaleando ao lado de Ricardo Saud, dizendo que o considera pra caralho e pedindo para não contarem todas as traquinagens que fizeram a Janot. Que passa atrás, tentando limpar a sujeira de boi deixada pelas botas de ambos. Pediria ajuda para um ex-auxiliar que assiste tudo fora do palco, mas percebe que as botas dele também estão imundas. Nessa hora, vem Luiz Fux correndo indignado, gritando "Papuda! Papuda!" O procurador-geral é, por sua vez, perseguido por um grupo de aliados de Temer e de parlamentares cobertos de lama que se revezam na tentativa de convencer a plateia de que o cheiro que sentem não é de estrume, mas de lavanda.

Sustentado por cordas e roldanas, Gilmar Mendes surge voando sobre todos, vestido de Padrinho de Casamento da Filha do Rei do Ônibus Carioca, distribuindo habeas corpus. Enquanto grita "Moralidade! Moralidade!", taca pedras em Janot e nos figurantes de vermelho e lança purpurina sobre Temer, que continuou circulando no palco em seu púlpito móvel perseguindo um grupo de empresários aos gritos de "eu te amo, não me abandone". A cena é quebrada pelo barulho da motosserra de ruralistas que resolvem derrubar as árvores do cenário, colocando bois em seu lugar. Bem ao fundo, vê-se um indígena crucificado enquanto grupos de religiosos fundamentalistas dizem que Tupã é o demônio.

Bolsonaro, que viajava pelo Brasil em campanha, faz uma rápida aparição vestido de Gru, seguido de muitos, muitos minions. Bradando "Ahá, uhú! O Nióbio é nosso!", corre para um grupo de mulheres e as ofende, depois diz que um grupo de quilombolas é indolente e chama para a briga um casal gay que passava pelo palco – enquanto isso, os minions estão vidrados em smarphones, postando o nome de seu líder em tudo o que é caixa de comentário na rede. Então, bate continência para dois generais, que o desdenham e saem.

As cortinas se fecham, mas a plateia nem percebe. Continua brigando entre si, defendendo o seu "time, xingando muito nas redes sociais e gritando que verdade é tudo aquilo em que acreditam e mentira é tudo com o qual discordam. Quando uma moça propõe que todos superem a polarização burra, parem de se atacar e discutam uma reforma política decente que resgate a representação pública, é morta e esquartejada pelos demais.

Saciados, todos seguem para casa a tempo de pegar uma novela.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto