Temer vai rifar (de novo) o país para se manter. Mas Geddel pode nos salvar
Leonardo Sakamoto
15/09/2017 09h41
Dificilmente a última denúncia do procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Michel Temer irá afastá-lo do cargo para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Ironicamente essa informação deveria levar a maioria dos trabalhadores brasileiros ao desespero. Porque, para permanecer ocupando o Palácio do Planalto, ele e seu grupo político vão rifar a qualidade de vida da população através do apoio a propostas no Congresso Nacional de interesse de deputados e seus patrocinadores.
A peça de acusação da Procuradoria-Geral da República tem poder suficiente para causar problemas a ele e, consequentemente, a nós. Porque quanto maiores e mais sólidos forem os indícios de obstrução de Justiça e de organização criminosa da necessária denúncia também será o custo cobrado pelos nobres parlamentares para livrarem-no da forca. O fato dela apresentar muitas pontas soltas significa desconto no preço a ser pago, mas não leva à gratuidade.
Mesmo que o Palácio do Planalto não tenha dinheiro para emendas ou cargos disponíveis a fim de oferecer aos deputados federais que salvarem o excelentíssimo pescoço da guilhotina (ele ainda está pagando a fatura da última sacanagem), ainda assim poderá oferecer apoio para mudanças de leis, regras e normas, reduzindo a proteção dos trabalhadores, das populações mais vulneráveis e mesmo do futuro das próximas gerações.
Já na rejeição da primeira denúncia, houve o perdão bilionário de dívidas previdenciárias para ruralistas e o apoio tanto para mudanças nas garantias dos povos tradicionais a seus territórios quanto para o relaxamento da proteção ambiental, por exemplo. Muita coisa ainda pode ser entregue. Afinal, o Brasil é um país grande.
Mais perdão de juros e multas relacionados a dívidas públicas, o que interessa a congressistas caloteiros e empresários com problemas financeiros, é um exemplo que nos custará várias dezenas de bilhões de reais. Mas há outros mais desconhecidos, como o apoio aos projetos de lei que tentam reduzir o conceito de escravidão contemporânea, diminuindo a possibilidade de punição de empregadores e de resgate de trabalhadores, defendido tanto pela bancada ruralista como por outros grupos econômicos. Ou a Reforma Trabalhista Rural, cujo projeto original foi tachado de "legalização da servidão", dado o tamanho do retrocesso e está provisoriamente congelada. Ou mesmo aberrações como as propostas que visam a dificultar o aborto legal nos casos já previstos em lei, como estupro, que é um dos xodós da bancada do fundamentalismo religioso. Isso sem contar os grupos de pressão do capital, que seguem atuando por mais formas de desregulamentação do trabalho e pela manutenção da desigualdade tributária – que sobretaxa o consumo dos mais pobres para deixar intocada a renda dos mais ricos.
Por essas e por outras, repito o que já escrevi aqui nesta semana. Há um homem que pode nos salvar e ele se chama Geddel Vieira Lima. Porque há limite para tudo nessa vida, mesmo para o comércio a céu aberto na Câmara dos Deputados. E esse limite viria com provas apresentadas pelo "querido amigo" de Temer que tornasse impossível aos deputados manterem o tomaladacá pronográfico em ano pré-eleitoral.
Quanto tempo Geddel Vieira Lima vai aguentar de bico calado na cadeia antes de começar a entregar os companheiros do "Quadrilhão do PMDB" que ainda estão soltos em nome de um acordo?
Após a Polícia Federal descobrir o apartamento em Salvador com R$ 51 milhões em caixas e malas, no que pode ser parte do "Fundo de Aposentadoria" do núcleo do fisiologismo nacional, ele foi preso. Em julho, quando passou algum tempo na Papuda, Geddel chorou diante do juiz que o manteve sob prisão preventiva apenas três dias após ter chegado. Não importa se as lágrimas foram sinceras ou não, isso é indício de que ele não está disposto a amargar uma longa temporada em cana como Eduardo Cunha ou Henrique Eduardo Alves, outros membros do suposto esquema.
Qualquer morsa com problemas de cognição sabe que qualquer um dos três tem munição suficiente para derrubar a República pelo menos por duas vezes. Se o medo de Geddel fermentar mais do que os restos de comida usados para fazer Maria-Louca (a pinga da cadeia) e ele resolver soltar o gogó e a oferta for aceita pelos procuradores, o governo Temer pode não sobreviver na Câmara. Afinal de contas, ao final do dia, o que conta é a própria sobrevivência.
Temer não foi colocado onde está por conta de sua capacidade de proferir oportunas mesóclises e poemas de qualidade duvidosa. Mas pela expectativa de parte da classe política de que ele, de algum forma, consiga impor um freio à operação Lava Jato. E pela expectativa de Patos Amarelos de que seu governo reduza o tamanho do Estado e aumente a competitividade, passando por cima da qualidade de vida dos brasileiros se necessário for. O que significa impor tetos ao crescimento do investimento em educação e saúde, defenestrar direitos trabalhistas e enfiar goela abaixo mudanças na aposentadoria que ferram com a vida de quem já foi ferrado pela vida.
Estranha conjuntura essa em que Geddel Vieira Lima tem o poder de evitar mais uma catástrofe no país.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.