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Crianças mortas em incêndio em MG: Como encarar atos de insanidade?

Leonardo Sakamoto

05/10/2017 23h07

Sala onde estavam vítimas de incêndio em creche de Janaúba, no Norte de Minas. Foto: PM-MG/Divulgação

O que leva uma pessoa a atear fogo ao próprio corpo na creche em que trabalhava como segurança e, ao se suicidar, levar consigo, crianças com quatro anos de idade e uma professora que tentou salvá-las? A pergunta é retórica, claro, porque ela seria seguida naturalmente por milhares de páginas de explicações sobre distúrbios psiquiátricos, sobre a incapacidade de sentir empatia por um semelhante ou qualquer outra razão que não faça sentido.

Atos de insanidade são atos de insanidade. A nossa sociedade, concordemos ou não, vai continuar produzindo situações como essa. Temos dificuldade de concordar com esse fato porque acreditamos que, criando regras e impondo normas, somos capazes de zerar o risco da morte. Podemos diminuí-lo, nunca controlá-lo. Jogamos, então, o imponderável para baixo do tapete porque, se pensarmos nele, nem levantamos da cama de manhã para ir trabalhar ou estudar com receio de morrer.

Sim, nossa sociedade gera aberrações por vários motivos e por motivo nenhum. Sim, existe a possibilidade de você cair nas mãos de um perturbado a qualquer momento. Como Damião Soares dos Santos, apontado como o responsável pelo incêndio na creche municipal em Janaúba, Norte de Minas Gerais. Ou como o ultradireitista Anders Behring Breivik que, em julho de 2011, matou 77 pessoas na Noruega – entre elas 69 que estavam em um acampamento para jovens. Ou como Wellington Menezes de Oliveira que assassinou 12 jovens, que tinham entre 12 e 14 anos, no que ficou conhecido como o Massacre do Realengo, no Rio de Janeiro, em abril do mesmo ano. Ao final, suicidou-se. Ou, ainda, como – respeitadas as devidas proporções – tantas pessoas que dirigem totalmente embriagadas e não se importam com o restante de sua comunidade.

Para muita gente, explicar que elas serão presas simplesmente não faz diferença. Não só Anders e Wellington, mas tantos outros não se importam com a vida alheia ou com a própria vida. E isso é assustador.

Com o aprimoramento da inteligência artificial, discute-se a possibilidade de tirar essas pessoas de circulação preventivamente com base em análises psicológicas, no melhor estilo Minority Report. Se assim for, além de cometermos injustiças, podemos chegar a um ponto em que vai ter mais gente do lado de dentro do que do lado de fora das prisões.

Em momentos de emoção extrema, buscamos soluções para diminuir a perplexidade. Damião estava em tratamento psiquiátrico há três anos, mas nunca havia demonstrado um comportamento que levasse a um afastamento do trabalho. Além do mais, era segurança noturno, sem contato com as crianças. Seria possível perceber alterações graves em seu comportamento? Difícil afirmar com certeza.

Procuramos respostas para preencher a falta de sentido e tapar o buraco deixado pela perda dolorosa. O problema é que elas não são úteis para resolver nada, nem mesmo para contribuir com os processos simbólicos de luto e cura. Mas são nos momentos de emoção extrema que nossa racionalidade é colocada à prova. Ou seja, que somos chamados a mostrar que deixamos de ser uma horda tresloucada que segue um único instinto, o medo. E não procurar soluções para problemas que dificilmente serão resolvidos.

Não tenho nenhuma pretensão quanto à razão da nossa existência. Não acredito que habitamos a terceira rocha que circunda um sistema solar periférico por conta de algum capricho sagrado, sentido traçado ou destino planejado, mas por puro acaso. E, para fugir do frio e do vazio dessa constatação, passamos milênios construindo deuses à nossa imagem e semelhança. E, não raro, matamos em nome deles. Ou, melhor dizendo, em nome de nós mesmos, usando-os como justificativa.

É exatamente a improbabilidade da vida que deveria ser a razão pela qual ela deveria ser protegida a todo o custo. Cálculos estatísticos mostrando a grande possibilidade de sua ocorrência fora do planeta são apenas isso, puro desejo aplicado à matemática.

Uma dor sem sentido pode gerar raiva contra a própria sociedade e levar alguém a se fechar ao mundo. Ou a uma reflexão que leve à aceitação de nossa imperfeição como seres humanos e nos aproxime uns dos outros. O que escolhemos?

 

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto