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Ao contrário do que diz governo, reforma vai dificultar aposentadoria rural

Leonardo Sakamoto

06/12/2017 11h54

Trabalhador de carvoaria em Minas Gerais. Foto: João Roberto Ripper

Ao contrário do que vem sendo informado pelo governo federal, a Reforma da Previdência tornará mais difícil aos trabalhadores rurais da economia familiar obterem a aposentadoria.

A última versão da proposta prevê que essa categoria se aposente após 180 recolhimentos mensais (15 anos) de contribuição após alcançar a idade mínima. Isso é um endurecimento dos critérios exigidos, uma vez que, hoje, é necessário que comprove ter trabalhado nessas atividades durante esse período e que recolha uma alíquota de 2,1% no momento da venda de sua produção.

A reforma não alterou o artigo 195 da Constituição Federal, que prevê que os trabalhadores rurais da economia familiar contribuam na forma da alíquota já citada. Mas altera o artigo 201, forçando que essa contribuição ocorra mês a mês. Ou seja, ela muda a demanda de 15 anos de tempo de comprovação de trabalho por 15 anos de contribuição mensal.

Enquadram-se nessa categoria pequenos produtores rurais, seringueiros, pequenos extrativistas vegetais (como catadoras de babaçu), pescadores artesanais, marisqueiros, entre outros. Ou seja, trabalhadores que colocam a comida em nossa mesa ou garantem, através de seu suor, a produção de commodities utilizadas para a produção de alimentos industrializados, vestuário, energia, veículos.

Para Evandro José Morello, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o governo ignora que agricultor não tenha renda mensal. Em outras palavras, o ciclo de plantio-crescimento-colheita não pode ser acelerado pelo voto de 308 deputados federais – mínimo que o governo Michel Temer precisa para aprovar uma emenda constitucional.

"Como você interpreta um texto constitucional com duas normas conflitantes? Se a contribuição na venda da produção for suficiente para cobrir o valor equivalente à contribuição mensal, não tem problema. Caso contrário, o agricultor deve ser chamado a cobrir isso do próprio bolso", explica Evandro. De acordo com ele, cerca de 60% das unidades produtivas familiares tem renda monetária líquida (na prática, o lucro ao final) inferior a R$ 1500 reais por ano, baseado nos dados disponíveis no último censo agropecuário. É desse montante que sairia uma contribuição desse trabalhador para a Previdência Social.

Além disso, a mudança também empurra para a individualização do benefício. Atualmente, todas as pessoas dentro de uma mesma unidade familiar que trabalharam durante os 15 anos e atinjam a idade mínima têm direito à aposentadoria. O que deve ser inviabilizado pela mudança na demanda de contribuição mensal. "Isso irá excluir muita gente. Não é uma questão de vontade do agricultor, ele não terá renda mensal para isso", afirma o assessor jurídico da Contag.

A Reforma da Previdência mantém a idade mínima da aposentadoria dos trabalhadores rurais em cinco anos antes daqueles que estão no regime geral. Hoje, ela está em 60 anos para homens e 55 para mulheres.

Considerando que muitos dos trabalhadores rurais começam a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já estavam sob trabalho braçal pesado, chegam aos 60/55 apenas como um bagaço. Terão dificuldade em trabalhar por mais tempo para alcançar as 180 contribuições mensais.

Na prática, portanto, muitos terão que esperar até os 65 para pedir o Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido a pessoas idosas de baixa renda, porque estarão excluídos da aposentadoria.

De acordo com cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) feitos em cima de dados do IBGE, o Brasil contava com cerca de 14 milhões de trabalhadores no campo em 2013, sendo 4 milhões trabalhando por conta própria, 4,2 milhões para consumo próprio, 1,6 milhão de empregados com carteira assinada e 2,4 milhão de empregados sem carteira assinada.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto