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Presos pobres precisam de um Gilmar Mendes para chamar de seu

Leonardo Sakamoto

21/12/2017 02h26

Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

Gilmar Mendes mandou soltar Anthony Garotinho.

Ele, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, decidiu que o ex-governador do Rio de Janeiro não representa perigo à sociedade e não estava atrapalhando as investigações. Também afirmou que não há provas de que ele continue cometendo os crimes dos quais foi acusado – corrupção, extorsão, organização criminosa e fraude na prestação de contas eleitorais.

Até aí, nada de novo. Gilmar, que tem sido criticado pela concessão de habeas corpus para presos por corrupção, tem uma clara agenda política para a Lava Jato. Mas não é possível dizer que ele não conceda habeas corpus para pobres e ricos, direito que também tem sido garantido por Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. O problema é que os Tribunais de Justiça nos estados se tornaram grandes responsáveis pelo encarceramento provisório de massa.

Deprime nessa história é que Garotinho, branco e rico, consiga responder ao processo em liberdade. Mas que negros e pobres detidos provisoriamente não tenham o mesmo tratamento pela Justiça brasileira.

Que a Justiça conta com pesos diferentes a depender da classe social, tamanho da conta bancária, cor de pele, origem étnica, idade, gênero, ideologia e orientação sexual dos envolvidos todos sabemos. Mesmo assim o contraste continua chocando a cada decisão como essa, na qual o interesse de quem tem poder passa na frente de uma fila com milhares que aguardam seus pedidos serem avaliados.

A Justiça também é seletiva quanto ao tipo de crime – mais amena com aqueles de colarinho branco e mais severa com crimes em que a incidência é maior entre os mais pobres, como aqueles contra a propriedade ou o tráfico de drogas. Rafael Braga está aí para provar que ser acusado de portar alguns gramas de cocaína e maconha pode te mandar para a cadeia por anos.

Qualquer pessoa, rica ou pobre, deveria ter o direito de responder a seu processo em liberdade se não representar um risco para os outros e para a Justiça. Mas tiramos de circulação homens e mulheres pobres suspeitos de cometerem crimes, sem pensar duas vezes.

No último balanço do próprio governo federal, o país contava com 250 mil presos sem condenação em qualquer instância em 2014. Levantamento, deste ano, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que os presos provisórios representam, ao menos, 34% da população carcerária. Do total, 29% dos provisórios são acusados de tráfico de drogas, 7% de furto e 4% de receptação. Homicídios respondem por apenas 13% do total.

Quase 40% são absolvidos logo na primeira instância de julgamento. Ou estamos punindo injustamente inocentes ou colocando pessoas que cometeram delitos mais leves para "estudar" em cadeias superlotadas.

Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou que, do total de homens que deram entrada em centros de detenção provisória e responderam ao questionário, 62% tinham até 29 anos, 65% se declararam negros e 81% não tinham advogado. Entre as mulheres, 64,5% se declararam pretas ou pardas, 60,7% até 29 anos e 80% não contava com advogado.

O indicador de que o Brasil estaria se tornando um lugar mais justo não é o aumento no número de políticos e empresários indo em cana por conta de corrupção. Mas a diminuição na quantidade de pobres presos sem julgamento, muitos dos quais tendo sido acusados de crimes ridículos. Ou seja, garantir que o poder público não sirva apenas para proteger os privilégios dos mais ricos, usando de violência contra os mais pobres a fim de controlá-los.

Gilmar Mendes tem sido conselheiro de Michel Temer, a qualquer hora do dia e da noite. Sugere formas de aprovação de reformas no Congresso Nacional, pratica política a céu aberto, assume o papel de advogado de defesa, promotor, júri e magistrado dependendo da situação e consegue até ser sorteado para cuidar de casos envolvendo pessoas próximas a ele. E não podemos negar que o homem é bom no que faz. Em suma, está lá de plantão, no momento em que o poder precisar dele.

Diante disso, qual conselho ele daria para a massa de esfarrapados apodrecendo na cadeia que não têm um Gilmar Mendes para chamar de seu?

Post atualizado às 10h15 do dia 21/12/2017 para inclusão de informações.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto