Defender privatização na eleição presidencial segue sendo tarefa suicida
Leonardo Sakamoto
26/12/2017 12h53
Trecho do vídeo "Road Show Prefeitura de São Paulo", mostrando o Parque do Ibirapuera, para "vender" São Paulo a investidores estrangeiros. Imagem: Reprodução
Sete em cada dez brasileiros é contra privatizações de empresas estatais. E enquanto 70% da população se opõe à venda do controle da Petrobras, apenas 21% demonstra ser a favor – em 2015, era 61% contrário e 24% a favor.
Os dados são de pesquisa Datafolha, publicada nesta terça (26), e servem para lembrar aos defensores do Estado mínimo que – apesar de poderosos e com livre acesso à mídia – eles seguem sendo minoria no país.
Arrisco a dizer que se questionassem a população sobre a reestatização de algumas ex-estatais, como Vale, os números seriam também expressivos. Ainda mais com a memória ainda fresca da lambança causada pela Samarco, controlada pela empresa, que – literalmente – jogou Minas Gerais, Espírito Santo e o litoral da Bahia na lama.
O repúdio da população à ideia de "privatização" levou a tentativas de rebatizar a criança com outro nome, mais palatável. Em São Paulo, o projeto do prefeito João Doria – que prevê a entrega à iniciativa privada de equipamentos públicos, como o centro de convenções do Anhembi e o autódromo de Interlagos – tramitou na Câmara dos Vereadores com o termo "desestatização". Nos cardápios oferecidos para investidores estrangeiros, daí aparece privatização.
É um esforço semelhante ao de empresas que não dizem mais que "demitiram" mil pessoas após a Reforma Trabalhista passar a valer. Falam que "descontinuaram os contratos" ou "interromperam o relacionamento" com seus empregados. Ops, desculpe. Isso também mudou de nome: "colaboradores".
A questão é que que não adianta flambar cocô com azeite trufado e polvilhar com sal retirado do deserto de Gobi e especiarias turcas. No final, vai continua sendo cocô.
Há quem defenda que o Estado não deveria ser tão responsável por educação, saúde, segurança, transporte. Ou seja, ao invés de sustentar com impostos a manutenção e ampliação de escolas públicas e do Sistema Único de Saúde, deveria reduzir os impostos e as famílias usariam esse valor para pagar as mensalidade de uma escola particular ou comprar um plano de saúde. E que o Estado precisaria se focar em ações como desenvolver infraestrutura para escoamento de produção e não gerir empresas.
Outros defendem que o poder público deve atuar redistribuindo riqueza e, através de impostos cobrados de forma mais pesada dos mais ricos do que dos pobres, custear um Estado que cuide do bem estar da parte de sua população que não poderia adquirir esses serviços de outra forma. E que os dividendos pagos por estatais sejam usados no desenvolvimento social e elas próprias sirvam para regular preços, fomentar o crescimento em locais que não atraem a iniciativa privada e ser vetor de expansão de determinadores setores econômicos.
O fato é que pedir mínima participação do Estado na vida das pessoas não casa com a garantia de serviços públicos de qualidade. E a população sabe disso.
Levantamento conduzido pelos pesquisadores Esther Solano, Lucia Nader e Pablo Ortellado junto aos manifestantes pró-impeachment, em 2015, mostrou que além da pauta anticorrupção, a esmagadora maioria defendia o fortalecimento dos serviços públicos universais, como educação, saúde e transporte. O que batia de frente com a pauta dos movimentos pró-impeachment. Entre os manifestantes, 97% concordava total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde deviam ser universais e 96% que deviam ser gratuitos. Já 98% concordava total ou parcialmente com a universalidade da educação pública e 97% com a sua gratuidade.
O que queremos do Estado brasileiro – para além da premissa básica de que ele não desvie, via corrupção, dinheiro dos seus cidadãos? Um Estado mínimo ou Estado de bem-estar social?
As principais pautas na eleição de 2018 devem ser emprego e segurança pública. Mas todos os candidatos terão que responder a essa indagação: o que querem fazer com o Estado brasileiro? Dos programas de privatização da era Fernando Henrique até os de concessão da era Lula e Dilma, todos deveriam dar explicações aos eleitores. Sobre a lisura dos processos, sobre o tamanho do retorno ao país.
Não defendo que toda privatização deva ser rechaçada de antemão. O Estado não tem que ser inchado, mas contar com o tamanho certo para fazer frente às necessidades da população. Pelos números apresentados no Datafolha, a população defende que o Estado tenha suas empresas e que elas sejam bem administradas, sem falcatruas. Dizer que isso é impossível é o mesmo que afirmar que o país é incapaz de viver sem corrupção crônica – o que seria a admissão de inviabilidade do país.
A privatização facilitou, por exemplo, o acesso a linhas telefônicas. Mas nossos serviço de dados e telefonia estão entre os de pior qualidade e os mais caros entre os países em desenvolvimento, campeões em reclamação do consumidor. E quando uma empresa de telefonia privada tem um problema por má gestão, quem é chamado para assumir o prejuízo financeiro é o governo, ou seja, todos nós. Ou seja, em muitos casos, a privatização não trouxe os benefícios prometidos à população, mas garantiu muito lucro aos participantes.
Em 2006, o então candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin vestiu uma jaqueta com os logos de estatais como o Banco do Brasil, a Caixa, os Correios e a Petrobras para mostrar que não iria privatizá-las. Na época, a campanha de Lula afirmava que o tucano venderia as empresas caso eleito. O caso entrou para o folclore político nacional, mas mostrou a força desse tema junto à população.
No último dia 27 de novembro, em um evento, o governador paulista brincou com o episódio: "Privatização não é mais palavrão, não. Acho que amadureci mais, estou mais preparado, mas sem usar jaqueta".
A pesquisa Datafolha contradiz o governador-candidato. Privatização segue sendo palavrão sim. E ignorar isso pode custar uma eleição.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.