A solução para o caos prisional no Brasil passa pela legalização das drogas
Leonardo Sakamoto
08/01/2018 19h55
Detentos rendidos em penitenciária da capital paulista em rebelião orquestrada pelo PCC em 2001. Foto: Mônica Zarattini/Conteúdo Estadão AE
Se o Estado brasileiro quisesse resolver a bomba-relógio do sistema carcerário legalizaria paulatinamente as drogas, começando pela maconha. Isso quebraria as pernas do tráfico, reduzindo o número de jovens que hoje são enviados aos presídios para aprender a roubar e matar e desidratando o poder econômico das facções criminosas.
Mas o Estado não quer. Prefere manter a mundialmente fracassada política de Guerra às Drogas – que tem servido como justificativa para vigiar os mais pobres ao invés de garantir à sociedade o sagrado direito de viver sem medo.
O problema de saúde pública representado pela dependência de psicoativos é muito menor e mais controlável do que a violência causada tanto pelo tráfico de drogas quanto pelo de armas – usadas para manter o controle de territórios de venda e armazenamento de produtos, hoje, ilícitos.
Poderia então começar por pedir encarecidamente ao seu colega, ministro Alexandre de Moraes, que libere o caso sobre a descriminalização do porte para uso de todas as drogas para uso pessoal. O ex-ministro da Justiça e ex-Secretário de Segurança Pública de São Paulo herdou as vistas do processo do finado ministro Teori Zavascki e não o trouxe ainda ao plenário do STF.
Após essa etapa, abre-se caminho para a principal discussão: a legalização da produção e comércio de drogas, a começar pela maconha, regulando sua distribuição.
Se o Uruguai, nosso vizinho que optou por essa saída, é um exemplo muito pequeno, podemos pegar o mais populoso e rico estado norte-americano, a Califórnia, com um PIB maior que o do Brasil, que legalizou a maconha.
Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), explica que não houve mudanças nas taxas de crime ou de consumo pelos jovens da maconha com sua legalização no Colorado, Estado norte-americano que adotou a mesma política há alguns anos. E a arrecadação de impostos aumentou significativamente.
Cármen Lúcia ficou horrorizada quando viu um vídeo de uma festa de detentos usando drogas em um presídio – o que não é novidade alguma. Se o Estado não consegue impedir drogas em prisões, um ambiente teoricamente controlado, tampouco poderá garantir isso no restante da sociedade. Chegou a hora de pararmos de viver essa ficção do autoengano.
O problema do sistema prisional brasileiro não é que não estamos conseguindo manter as pessoas dentro dos depósitos de gente. Mas que estamos jogando para lá quem não precisaria estar.
Nesse sentido, o Poder Judiciário também deveria ajudar a mudar outro paradigma: Levantamento do próprio CNJ aponta que os presos provisórios (sem condenação) representam, ao menos, 34% da população carcerária. Do total, 29% dos provisórios são acusados de tráfico de drogas, 7% de furto e 4% de receptação. Homicídios respondem por apenas 13% do total. Quase 40% são absolvidos logo na primeira instância de julgamento. Os Tribunais de Justiça nos estados são os grandes responsáveis pelo encarceramento provisório de massa.
Ajudamos a desconectar os presídios do restante do tecido social, tornando-os uma espécie de limbo para onde vai quem atentou contra a sociedade. O ódio gestado em muitos dos presos durante sua estada no inferno, por tudo o que viram e viveram (o presídio, em Goiás, que foi palco da última rebelião, vivia uma epidemia de sarna), será levado para fora quando retornarem ao convívio social. E quem sofre as consequências dessa política burra somos todos nós.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.