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No Carnaval, quero Temer fantasiado de democrata ao tratar da Previdência

Leonardo Sakamoto

04/02/2018 21h46

Se não conseguir aprovar a Reforma da Previdência depois do Carnaval, o governo federal pode tentar novamente depois das eleições (quando muitos dos parlamentares derrotados aceitarão atuar como mercenários sem medo do voto) ou buscar passar a parte original do projeto que não demanda maioria constitucional.

Como essa parte era extremamente impopular e atingia aos mais pobres em cheio, o governo retirou-a do projeto. Nada impede que ela surja novamente depois das eleições de outubro.

Enquanto o estabelecimento de uma idade mínima para todos os aposentados (65 anos para homens e 62, para mulheres) depende do apoio de uma emenda ao artigo 201 da Constituição Federal, a questão do tempo de contribuição pode passar como lei complementar ou ordinária. Isso demandaria maioria absoluta (257 votos na Câmara) ou simples (maioria dos presentes em sessões deliberativas com, pelo menos, 257 parlamentares), respectivamente.

Os mais pobres já se aposentam hoje, por idade – 65 anos, homens, e 60, mulheres. Para isso, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos). Se os 25 estivessem ainda na proposta, o número saltaria para uma carência de 300 contribuições (25 anos). Isso não afetaria diretamente os extratos superiores da classe média, que já contribuem por mais tempo ao sistema, mas a faixa de trabalhadores mais pobres que, contudo, não entram nas categorias de pobreza extrema, beneficiadas diretamente pela assistência aos idosos pobres.
Na prática, esse pessoal acabaria perdendo o que contribuiu e tendo que procurar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que pode ser menor que a pensão que teriam direito a receber.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes. Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo teria que ser de 33 anos. O problema é que, nas regiões mais pobres do país, a informalidade ultrapassa os 70%.

E com a Reforma Trabalhista, os meses em que a soma de contratos intermitentes de trabalho não completar o equivalente a um salário mínimo de remuneração não serão computados para efeito de Previdência Social.

Ao invés de aventar hipóteses de planos B ou C pela imprensa (e de nos encher com publicidade e coletivas), bem faria se o governo federal fizesse um gesto de boa vontade e propusesse uma Minirreforma Tributária antes da Reforma da Previdência, com o retorno da taxação de 15% aos dividendos pagos por grandes empresas e a criação de faixas de 30% a 40% no Imposto de Renda para quem ganha muito, subindo – ao mesmo tempo – a barra de isenção e das alíquotas mais baixas consideravelmente.

Não porque isso vá resolver o problema do caixa da Previdência, não vai. Mas sinalizaria que o governo aceita democratizar a chicotada entre ricos e pobres.

Como já disse aqui, a desigualdade é nociva porque dificulta que as pessoas vejam a si mesmas e as outras pessoas como iguais e merecedoras da mesma consideração. Ao mesmo tempo, há a percepção (correta) de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres – ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for.

O governo diz que já propôs a retirada dos privilégios com as mudanças nas aposentadorias do setor público, como se todo mundo ganhasse o mesmo que as categorias mais bem remuneradas. E como se o restante da proposta não continuasse criando dificuldades para a classe trabalhadora do setor privado, com uma difícil transição que muda as regra do jogo com a bola rolando.

Quem lê este blog sabe que faço parte do grupo que concorda em discutir mudanças para a Previdência, incluindo as aposentadorias dos servidores públicos que ganham muito para além do que já propôs as reformas anteriores. Mas que também acredita que o tudo está sendo feito a toque de caixa e sem validação social – afinal isso não fazia parte do projeto apresentado pela chapa Dilma/Temer nas eleições de 2014. Essa proposta, bem como o Brasil que queremos, deveria ser melhor discutidos nas eleições gerais.

Dessa forma, seriam legitimadas pelo voto medidas que não dizem respeito apenas à correção de rumos, mas fazem parte de um novo projeto de país.

Estamos desacostumados a isso, eu sei. Mas um pouco de democracia sempre faz bem.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto