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Temer quer ser candidato à Presidência? Dica: Cuidado ao escolher o vice

Leonardo Sakamoto

15/02/2018 04h17

Foto: Evaristo Sá/AFP

Com menos carisma que uma broca de dentista, ostentando uma capivara de declarações misóginas e gafes, tendo já confundido o real com o cruzeiro e a Rússia com a União Soviética, carregando um rosário de acusações de corrupção e compra de voto, reconhecido como o pai das propostas de Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência, sendo visto como alguém que rifou até a liberdade de escravos para se safar e diante de uma economia que não deve mostrar sinais vigorosos de crescimento do emprego formal antes do final do ano, Michel Temer é o anticandidato à Presidência da República.

Apesar disso, boatos e balões de ensaio têm sido espalhados sobre a possibilidade dele concorrer, em outubro deste ano, ao cargo que já ocupa. A menos que estejam borrifando alucinógenos pesados no Palácio do Planalto, ele deve ter consciência de que sua chance é menor que a de um lenhador cortar a maior árvore da Amazônia com um arenque. E está fazendo isso apenas para jogar com seus aliados e adversários.

Considerando que o seu governo, mesmo com centenas de milhões de reais investidos em criativa propaganda, mantém-se na casa dos 70% de desaprovação, a proximidade com Michel Temer segue radioativa para a maioria dos postulantes presidenciais. Um dos únicos que têm buscado seu abraço – e, ainda assim, com nojinho – é o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mas a chance dele ser eleito também não é maior que a de cortar a maior árvore do Cerrado com um pacu.

Os boatos dizem que Temer gostaria de sair candidato para aproveitar as viagens pelo Brasil e o tempo de rádio e TV a fim de fazer uma defesa contundente de seu governo diante do que acredita ser uma campanha negativa que estaria sofrendo. Alguém deveria ter explicar a ele que o grande culpado por essa campanha negativa também se chama Michel Temer e, coincidentemente, dorme diariamente ao lado de sua esposa.

Sua candidatura tem um inconveniente para quem defende as reformas: a votação de Temer se transformaria em uma espécie de plebiscito ao inverso sobre seu governo. O que inclui, além da corrupção, as propostas por ele patrocinadas. Aprovados a toque de caixa e reduzindo a proteção social da classe trabalhadora, projetos como a PEC do Teto dos Gastos, a Lei da Terceirização Ampla, a Reforma Trabalhista, entre outros, têm sua impressão digital.

Nesse sentido, como não amar uma candidatura Michel Temer?

Por outro lado, uma vez no páreo, ele pode ser o Grande Boi de Piranha de uma parte da direita e da centro-direita que lhe dão suporte. Qualquer candidato de seu partido ou por ele formalmente apoiado será questionado publicamente pela proximidade e a corresponsabilidade nos já referidos projetos. Com ele mesmo na disputa, os questionamentos devem acontecer diretamente à sua pessoa e não a seus aliados, liberando para que ganhem corpo. O para-raios mais que perfeito.

Claro que os aliados com candidatos próprios, como o PSDB, sonham com o apoio da máquina governamental e o tempo de TV do MDB nas eleições. Mas sabem que se chegarem muito perto de Temer podem ser arrastados pela mesma pororoca que o mantém eternamente coberto de lama. Como falar de ética abraçado em santinhos junto com o homem?

Se ele atingiu a menor taxa de popularidade registrada por uma Presidência (3%, em setembro passado, segundo o Ibope) e seguiu respirando, talvez seja resiliente o suficiente para suportar mais esse serviço em nome de seu grupo político. Que, assim que eleito, pode inclusive dar uma ajudinha para que ele não seja encarcerado por algum juiz de primeira instância da Lava Jato após a perda do foro privilegiado.

Mas Temer não faz o estilo masoquista. Mantém os pés atrás em relação ao governador de São Paulo Geraldo Alckmin, entre outros, que querem apoio da rede de prefeitos, governadores e parlamentares do MDB, mas guardam uma distância de segurança dele com medo de pegar sapinho.

Temer quer ser amado. E ter alguém que defenda, em sua campanha, aquilo que ele chama de seu "legado".

Difícil. Porque boa parte da população deve encarar esse "legado" como um "abacaxi" que, infelizmente, vai durar por muito, muito tempo até ser devidamente descascado.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto