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Governo tem coragem de festejar alta de PIB com 12,7 mi de desempregados?

Leonardo Sakamoto

01/03/2018 10h07

Ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Foto: Evaristo Sá/AFP

O Produto Interno Bruto cresceu 1% no ano passado, de acordo com o IBGE, depois de cair 3,5%, em 2015, e 3,6%, em 2016.

O pequeno crescimento é comemorado por uma parcela da sociedade que aponta que o país saiu do buraco. Mas milhões de famílias que não vivem de renda, não possuem bens de capital e dependem do trabalho de hoje para comer amanhã não vão desperdiçar confete enquanto a taxa de desemprego continuar em 12,2%.

O crescimento do PIB, divulgado nesta quinta (1), veio à sombra dos dados divulgados ontem, de que 12,7 milhões de brasileiros continuam sem trabalho – dados do trimestre entre novembro de 2017 e janeiro de 2018. A taxa de desocupação era de 12,6% no mesmo trimestre há 12 meses – um recuo pífio comparado à necessidade imediata da população.

Pois não adianta explicar a quem está desesperado e tem a pressa da sobrevivência que as coisas vão demorar para se resolver. Ainda mais quando a sociedade percebe que os mais ricos, que pouco sentiram o impacto da crise econômica, já estão vendo o sol no horizonte enquanto os mais pobres seguem na penumbra.

E ainda mais porque o governo Michel Temer prometeu que as reformas, como a Trabalhista, transformariam o país em um paraíso onde corre leite e mel em pouco tempo. No curto prazo, ela pode ajudar a engordar o caixa de grandes empresas e, tornando parte da força de trabalho intermitente, contribuir para a formalização de empregados de salários achatados. Mas, por si só, não cria "confiança" entre os empresários ou "gera" vagas.

A crise não nasceu com o atual governo, como sempre repito aqui, apesar da cegueira seletiva de alguns dizer que não. O governo Dilma tem uma enorme parcela de responsabilidade no caos econômico. A questão aqui é outra: como momentos de crise são enfrentados. A população mais vulnerável deveria ter sido protegida pelo governo Temer e o custo da retomada teria que ter pesado mais nos ombros dos mais ricos. Mas foi tudo ao contrário.

Sempre tive uma curiosidade pelo fascínio exercido pelo PIB em algumas pessoas. Um PIB em crescimento é bom, um PIB grandão melhor ainda. Mas se esse crescimento não deve beneficiar a todos e todas, não significa desenvolvimento. Apenas progresso burro.

Fazer a economia crescer novamente é fundamental para garantir que o país volte a ser viável. Porém, muitos não se importam em sacrificar a qualidade de vida dos mais vulneráveis para que isso aconteça. Paradoxalmente acreditam no contrário: cortando leis que impedem a barbárie é que surgirá a redentora civilização.  Ou seja, abrindo mão de um patamar mínimo de dignidade aos trabalhadores.

Como o atual governo perseguiu o a volta do crescimento? Aprovando um teto de gastos públicos que impede novos investimentos em educação e saúde, entre outras áreas, nos próximos 20 anos. Permitindo a terceirização ampla e irrestrita. Usando o argumento de que vale sacrificar a segurança e a saúde de dos trabalhadores na ativa em nome de um ajuste fiscal que garantirá segurança aos investidores. Tentando reduzir o conceito vigente de trabalho escravo contemporâneo, dificultando a libertação de pessoas, para garantir mais "segurança jurídica" a ruralistas e empresas da construção civil.

Quando a equipe econômica aventou a possibilidade de voltar a taxar 15% dos dividendos pagos por grandes empresas a indivíduos e a criação de alíquotas maiores (de 30% a 40%) aos mais ricos no imposto de renda e a isenção dos mais pobres e de boa parte da classe média, os mais ricos surtaram no país e a medida foi enterrada. Isso sem falar que a taxação de grandes fortunas e o aumento no impostos sobre grandes heranças, realidade nos Estados Unidos, é lenda no Brasil. Não conseguimos, em muitas cidades, nem discutir a cobrança de um IPTU progressivo para grandes imóveis.

Não que essas ações atingindo os mais ricos sejam suficientes para equilibrar as contas públicas. Elas causam algo mais importante: combatem a sensação de bizarra desigualdade que nos abraça feito uma camisa de força.

Deveríamos ter aproveitado este momento de crise para que o país voltasse a crescer em outros padrões. Mas não é isso que está sendo feito. Quando o PIB subir de verdade (não essa flatulência de 1%), seguirá fluindo mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependerão de seu próprio suor, sejam informais, assalariados, empreendedores individuais e microempresários.

Os economistas da ditadura falavam que a população tinha que entender que o crescimento do país, em algum momento, beneficiaria a todos. Hoje, muitos repetem a mesma cantilena. Adotam um tom professoral ("A população tem que entender"), como se a elite econômica fosse composta de seres iluminados, dirigindo-se ao povo, bruto e rude, a fim de explicar que aquilo que sentem não é fome. Que a ralé deveria sentir orgulho de não poder garantir aos filhos o mínimo de conforto, pois isso está contribuindo para a geração de um superávit primário a fim de que sejam honrados os compromissos do país.

Como já disse aqui, o debate sobre o PIB não deveria ser apenas sobre crescimento econômico, mas sobre qualidade de vida. Que só será efetiva caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população.

Estamos conseguindo fazer as mudanças para melhorar a divisão do bolo que surge do crescimento? Temos competência em fazer essa divisão, não por igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado? Estamos conseguindo diminuir a concentração de riqueza na maior velocidade possível? Ou poderíamos ir além e implementar medidas para que os mais pobres possam usufruir de uma boa vida aqui e agora?

Perguntar sem resposta para um país sem solidariedade.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto