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O Rio trocou a democracia pela sensação de segurança, diz Freixo

Leonardo Sakamoto

03/03/2018 15h53

Militar revista mochila de menino durante operação no Rio. Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

"O Rio trocou a democracia pela sensação de segurança." Logo após falar sobre a intervenção federal na segurança pública do Estado, no estúdio da TV UOL, nesta sexta (2), o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) resumiu dessa forma a preocupação com as consequências para a democracia da ação que colocou as Forças Armadas no comando dessa área.

Segundo ele, o Exército está sendo usado pelo governo Michel Temer e o Rio vive uma intervenção política que pouco se preocupa com resultados positivos para a violência ou mesmo com a dignidade da população e de policiais, mas mira a eleição e a manutenção do poder do MDB no Estado e no país.

Reclama que a medida passou por cima da relação entre os poderes. "Sou deputado estadual, uma das minhas funções é a de fiscalizar o [Poder] Executivo. Se eu quiser convocar o interventor para esclarecer determinada medida, eu não posso", afirma. "Pelo decreto, ele só deve satisfações ao Presidente da República." Entre as medidas que já demandariam um pedido de explicação estaria a ação de fotografar os moradores ao sairem das comunidades. Organizações de direitos humanos e juristas apontaram que isso fere a Constituição Federal.

Com mandato voltado aos direitos humanos e à questão da segurança pública, Freixo presidiu tanto as CPIs das armas e a das milícias, tendo recebido ameaças de morte. Concorreu duas vezes à Prefeitura do Rio, perdendo o segundo turno para Marcelo Crivella no ano passado.

Ele aponta a questão das milícias formadas por policiais corruptos como um dos problemas que não serão resolvidos pela intervenção federal. "O Exército vai ocupar uma área de milícia no Rio de Janeiro? Não vai ter um miliciano para enfrentar o Exército. Porque boa parte das milícias estão dentro das forças policiais. Você só enfrenta a milícia se tirar o poder econômico deles, se tiver o serviço de inteligência que possa identificar quem das forças de segurança estão dentro dessas organizações criminosas."

Criticando duramente o governo Michel Temer e a Luiz Fernando Pezão, a quem chama de "ex-governador em exercício", o deputado estadual defendeu a contribuição das Forças Armadas e da Polícia Federal na segurança pública do Rio, mas em um processo de integração ao invés da intervenção. Por exemplo, usando os serviços de inteligência para combater o comércio ilegal de armas que chegam ao Estado. Segundo ele, o próprio interventor afirma que está lá para garantir apenas a "sensação de segurança".

"Essa intervenção vai ser por dez meses porque seria muito patético se o presidente Temer ou o seu marqueteiro anunciasse que a intervenção iria até 7 outubro, que é o dia da eleição. Daí, ele jogou até 31 dezembro para fingir que não é eleitoral", afirma o deputado. "A intervenção poderia ser sobre o governo. Retira-se o governador, o governo federal assume tudo. Mas só na área de segurança é porque eles querem criar uma pauta positiva para um governo que é um desastre em termos de popularidade. O governo Temer é uma margem de erro."

Ele também defende, na entrevista, a melhoria na qualidade de vida e da formação dos policiais como parte das soluções de curto prazo para a segurança pública no Rio e afirma que não há solução de médio prazo que não passe pelo fim da "guerra às drogas", que alimenta o tráfico de armas e as facções criminosas.

Veja a conversa em vídeo ou leia no post do blog:

O governo Michel Temer colocou nas mãos das Forças Armadas, de um general, o controle da área de segurança pública do Rio de Janeiro. E isso está tendo um série de repercussões. Por mais que o Estado viva um onda de violência, como outras regiões do país, as consequências dessa intervenção feita sem planejamento podem ser catastróficas…

Marcelo Freixo – O Exército está sendo usado pelo governo Michel Temer. É muito importante conversar sobre isso colocando as coisas com muita clareza. Não vim aqui fazer um debate sobre críticas ao Exército. Se a gente começar com isso, começamos errando. O meu debate neste momento não é com o Exército. Posso debater se ele é eficaz ou não, fazendo trabalho de policiamento. Temos uma larga experiência no Rio de Janeiro no Rio de Janeiro sendo experimentado como força ostensiva. E que não resolveu. Há pouco tempo tivermos uma fala do general Villas Bôas [comandante do Exército Brasileiro], com ele criticando a experiência do Exército na Favela da Maré…

Eles mesmo sabem disso, que a missão deles não é essa.

De uma maneira geral a imprensa no Rio de Janeiro está perdendo o debate sobre a natureza dessa intervenção, que é política e não militar. Esta é uma intervenção política, inventada a partir de uma lógica política. O debate central não é o da segurança pública. Claro que temos um problema grave de segurança pública no Rio e no Brasil. Muito grave. Claro que alguma coisa precisa ser feita, isso é indiscutível. Não é desconsiderar o problema da segurança pública do Rio de Janeiro, que é sim, muito grave. Como é grave no Ceará, no Rio Grande do Norte, em Sergipe.

Mas então porque o Rio de Janeiro é escolhido e não nos estados que você citou? Ou interior do Pará, que há anos vive um conflito armado declarado matando ribeirinhos, quilombolas, trabalhadores ?

Pelas taxas de homicídio, o Rio de Janeiro é o 10º estado mais violento. Você tem boa parte do Nordeste na frente do Rio de Janeiro com lugares bem mais violentos pela medição pela taxa de homicídios. Evidente que a escolha do Rio de Janeiro é por que esta é uma intervenção nacional, não é uma intervenção carioca, não é uma intervenção sobre Rio de Janeiro. Este um projeto político nacional. Por isso a escolha do Rio de Janeiro.

A ideia é que o Rio seja uma vitrine de um processo político?

Não há menor dúvida disso. A narrativa sobre carnaval do Rio de Janeiro, de que vivemos um carnaval insuportável, não condiz com os dados. O carnaval esse momento delicado, você tem uma multidão na rua, em que você tem situações de violência, mas se você pegar os números oficiais do instituto de segurança pública, o carnaval do Rio não foi o mais violento dois últimos anos.

A percepção construída sobre a violência é bem maior do que a violência foi em si?

Sem dúvida alguma. Eu pulei Carnaval do Rio de Janeiro, sabemos que temos problemas, mas a sensação que dava quando você pulava num bloco e depois via pela televisão é de que você tinha pulado o carnaval na Síria. E não é verdade. É violento? É. Tem situações insuportáveis? Sim. A população do dia está com medo? Sim. Esse medo é legítimo? É. Nós não podemos fazer uma fala desconsiderando o sentimento popular da violência. Ele é legítimo, ele tem razão de ser. A violência do Rio é insuportável independente de outros lugares serem mais violentos que no Rio de Janeiro. Então tinha que sim fazer alguma coisa. Realmente, o Pezão é um ex-governador em exercício, não governa mais do Rio de Janeiro. Mas ele não governa mais o Rio de Janeiro na segurança pública, na saúde, na educação, no transporte.

Acabei de conversar com o procurador da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde trabalho, pois queria entender algumas coisas juridicamente. Perguntei se temos dois governadores agora no Rio de Janeiro? Ele disse sim, nós temos um governador para a área de segurança e um governador do resto. E pode isso, constitucionalmente? Não, não há previsão. Não há previsão constitucional para intervenção em só uma área. Por exemplo, acabei de aprovar uma lei, sobre um programa de saúde e de segurança dos trabalhadores da segurança no Rio. Quem vai sancionar? O governador Pezão, que foi o governador eleito. Mas a área de segurança está sob intervenção. E esse projeto está sob a área de segurança. A sanção vai ser interventor ou do governador? Procurador da Assembleia Legislativa não soube responder. Porque não tem previsão

E isso pode causar problemas futuros devido a questionamentos constitucionais.

As contas públicas da área de segurança, quem será o responsável? Quem o Tribunal de Contas do Estado vai fiscalizar de que quem vai exigir as normas construção das contas públicas: do interventor ou do governador, que é uma marca de fantasia? Esta medida não é uma medida de segurança pública, é uma medida que afeta democracia do Rio de Janeiro, afeta a relação entre o poderes. Sou deputado estadual, uma das minhas funções que considero a mais importante é a de fiscalizar o Executivo. Se eu quiser convocar o interventor para explicar uma determinada medida… Por exemplo, nós tivemos agora, em uma favela do Rio de Janeiro, o exército fichando todas as pessoas.

Tirando fotos dos documentos, tirando fotos das pessoas, encaminhando para Polícia Civil… Isso não poderia, aliás, ser considerado um "posto de controle"? É quase como se a comunidade fosse um pedaço estrangeiro no território brasileiro e, para entrar no Brasil, as pessoas precisassem ser registradas…

O setor periférico e o setor dos morros do Rio de Janeiro está vivendo uma realidade dos migrantes [indocumentados] na Europa, com as ameaças. A lei determina que qualquer pessoa que a polícia vá revista tenha contra ela fundada suspeita. Qual a fundada suspeita sobre todos os moradores daquela favela da Vila Kennedy? A fundada suspeita era ser morador da favela. O que a lei não permite. Se eu quiser convocar o interventor, como deputado estadual, como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, para esclarecer isso, uu não posso.

Por quê?

Porque, pelo decreto, ele só deve satisfações ao Presidente da República.

Você teria que convocar o presidente da República, o que não é sua competência.

Esta intervenção ela fere as relações democráticas entre os dos poderes. É importante que a população entenda que não é uma GLO. O que é uma GLO? Garantia da Lei e da Ordem. Isso já vem sendo usado no Rio de Janeiro há algum tempo. O Exército foi usado em 2010 para ocupar o Complexo do Alemão, foi usado em 2008 no Morro da Providência, foi usado em 2014 na favela da maré. Não é uma novidade o Exército fazer papel de polícia diante de crise de segurança no Rio de Janeiro. Qual foi o resultado efetivo da segurança pública dessas experiências? Muito ruim. O exército sai e o lugar fica mais violento depois. O Complexo do Alemão está mais violento, a Providência está mais violenta, a Favela da Maré está mais violento.

Uma das justificativas da intervenção é que ela pode reduzir a corrupção na polícia do Rio de Janeiro. Mas há quem diga que ela pode aumentar a corrupção entre os militares

O México viveu uma experiência semelhante de intervenção do Exército no combate ao narcotráfico e a experiência que se tem é de uma alta corrupção dentro do exército mexicano e que não resolveu o problema do narcotráfico no México. Estaremos trazendo, em breve, com a ajuda do professor Ignacio Cano, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, alguns pesquisadores, especialistas em segurança do México, para falar da experiência mexicana no Rio de Janeiro.

O que aconteceu lá, então, foi o contrário do que se esperava, houve uma contaminação das Forças Armadas do processo.

Essa intervenção vai ser por dez meses porque seria muito patético se o presidente Temer ou o seu marqueteiro anunciassem que a intervenção iria até 7 outubro, que é o dia da eleição. Daí, ele jogou até 31 dezembro para fingir que não é eleitoral. Eles programaram essa intervenção na Quarta-Feira de Cinzas. Isso é uma resposta do governo Temer ao carnaval do Rio de Janeiro. Não foi o carnaval mais violento, mas foi o mais politizado da história do Rio de Janeiro. Os blocos de rua e os desfiles da Sapucaí, como por exemplo, o desfile da Mangueira, da Beija-Flor e principalmente da Paraíso do Tuiuti, foram desfiles que trouxeram para a avenida uma crítica política muito contundente ao prefeito [Marcelo] Crivella, ao governador Pezão e, principalmente, ao presidente Temer. E a resposta deles diante dessa manifestação política do carnaval é programar, inventar juridicamente uma intervenção só na área de insegurança. A intervenção poderia ser sobre o governo. Essa é prevista. Retira-se o governador, o governo federal assume tudo. Mas só na área de segurança é porque eles querem criar uma pauta positiva para um governo que é um desastre em termos de popularidade. O governo Temer é uma margem de erro.

O governo temer não quer assumir o abacaxi que é a economia neste momento do Estado do Rio de Janeiro e quer assumir só aquilo que pode lhe garantir uma vitrine eleitoral.

Ele escolhe uma página feliz da história para contar. Programa isso num cálculo eleitoral até o final do ano. O que você sabe que em fez meses, não é uma intervenção das Forças Armadas na segurança que vai resolver. E aí você escuta uma coletiva do general Braga Netto [interventor federal do Rio] que ele vai anunciar o que ele não tem para anunciar. Não há um programa, não um plano. Quando imprensa pergunta "me diga uma medida efetiva do que você vai fazer", a resposta é muito contundente, é muito interessante. Braga Netto diz vou melhorar a sensação de segurança e conto com a imprensa para isso. Porque não tem planejamento. Essa pergunta que você me faz, fizeram para o general: "e a corrupção policial?" E a resposta foi: vamos fortalecer as corregedorias. Me poupe. Fortalecer as corregedorias é o óbvio que se diz há 50 anos no Rio de Janeiro. Propostas não faltam, isso que é o importante.

Mas antes de entrar nas propostas… As primeiras declarações da intervenção já foram muito ruins. Em uma entrevista do ministro da Justiça Torquato Jardim deu ao Correio Brasiliense, em que questionado a respeito das garantias das Forças Armadas, ele deu declarações bastante preocupantes. Exemplo: "Como você vai prevenir aquela multidão entrando e saindo de todas as 700 favelas? Tem 1,1 milhão de cariocas morando em zonas de favelas, de perigo. Desse 1,1 milhão, como saber quem é do seu time e quem é contra? Não sabe. Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola."

É de uma debilidade. Um pensamento que criminaliza a população pobre, que criminaliza a juventude pobre. Existe violência no Rio? Sim. Tem violência nas favelas do Rio? Tem. Quem é a maior vítima da violência das favelas do Rio de Janeiro? Quem mora nas favelas do Rio de Janeiro. Ou alguém tem dúvida disso? É claro que o todo o Rio sente a violência, claro que quem mora no Leblon, no Jardim Botânico, sente a violência. É real, é legítimo, eu não estou desconsiderando. Quem mora na Lagoa pode ser vítima de furto, de assalto, até mesmo homicílio, que é muito raro, mais pode. Mas quem mais sente a violência que existe nas favelas do Rio de Janeiro, que eu estou falando da violência armada, do varejo da droga, é quem mora ali. Quem vê o fuzil, quem escuta o tiro, quem tem um confronto na sua porta, quem tem seu filho morto, é quem mora na favela. A não ser que ele ache que todos que moram na favela são bandidos ou tendem a ser, e aí ele vai esquecer quem lava as cuecas dele, me perdoem a expressão, quem é que varre a rua dele, quem dirige o carro dele, quem dá segurança para ele. Essas pessoas não vem de Marte, quem faz aquela cidade funcionar, em boa parte, mora nas favelas. O morro não vai descer no dia em que tiver revolução, o morro desce todo dia para fazer aquela cidade funcionar. É muito criminoso o ministro da Justiça, muito irresponsável, falar um negócio desses. É muito revoltante, não dá para aceitar. E mais do que isso: criar essa suspeita, se alimentar do medo para justificar a barbárie do Estado é se igualar ao crime. O crime é violento. O Estado não pode, em nome de combater o crime, ser tão violento quanto o crime. Em nome de combater esse crime, do qual a população local é vítima, diz que não vai respeitar ninguém, vai revistar mochila de crianças, vai tirar foto de todo mundo. Existe uma subcidadania, existe um cidadão de segunda que a Constituição não vai respeitar. Em nome do combate o crime, se comete crime contra essa população. É isso que agente quer?

Na sua opinião como seria uma política que conciliasse Segurança Pública e direitos Humanos? Como seria uma alternativa a esta intervenção?

As Forças Armadas poderiam contribuir? Poderiam. As Forças Armadas são úteis.

Então você não descarta o uso das Forças Armadas em um projeto de segurança?

Não, é impossível descartar as Forças Armadas e a Polícia Federal. Mas no lugar de uma intervenção, que não é uma ocupação de áreas violentas, mas uma intervenção no processo democrático, poderíamos ter uma integração. Aliás, isso aparece nas falas do próprio general: eu estou aqui para integrar, eu estou aqui com uma janela de oportunidades, são falas do próprio general. O problema é que ele diz isso em uma intervenção. O que ele diz não é o que Temer faz.

Eu não acho que o Exército – e não sou quem acha, o Exército também acha isso, não é um defensor dos direitos humanos que está dizendo isso – tenha que ter papel de polícia. Eles são preparados para a guerra, para eliminar o inimigo. Para proteger o país do inimigo externo, não podem cumprir função do policiamento ostensivo. Como eles poderiam ajudar? Serviços de inteligência. Eu presidi a CPI das milícias e presidi a CPI do tráfico de armas e munições. São duas CPI que nós concluímos, têm relatórios, têm propostas. O exército tem serviços de inteligência, a Polícia Federal tem serviços de inteligência. Por que esses serviços de inteligência não agem de forma articulada para orientar as polícias do Rio de Janeiro através de real uma parceria de integração e de uma ação preventiva? Por onde entram essas armas? Como se dá o controle do armamento legal? Por exemplo, em 82% dos homicídios do Rio de Janeiro, a arma que comete esse homicídio é uma arma que vem do mercado legal e que em algum momento vai para o mercado do crime. Ou seja, muito mais do que as armas que vem de uma fronteira mal fiscalizada, existe um mercado legal de armamento que não é bem fiscalizado. Nisso, o Exército pode ajudar muito, a Polícia Federal pode ajudar muito. Quem fiscaliza as lojas que vendem armas? Exército. Quem fiscaliza a segurança privada? Polícia Federal. Quantas vezes a Polícia Federal senta com o Exército e com as polícias locais para melhorar esse grau de fiscalização sobre o armamento legal e saber quantas armas estão sendo desviadas para mercado crime? É muito precário.

Porque uma coisa que o Rio tem de diferente dos outros lugares é o armamento que circula na mão do crime. Tem lugares mais violentos que o Rio, mas com menos arma que o Rio. E com armamento muito menos pesado.

Além da inteligência para controle de armas o que outras coisas poderiam estar sendo feitas agora como alternativa à intervenção?

A questão da milícia, por exemplo. O Exército vai ocupar uma área de milícia no Rio de Janeiro? Não vai ter um miliciano para enfrentar o Exército. Porque boa parte das milícias estão dentro das forças policiais. Você só enfrenta a milícia se você tirar o poder econômico deles e se você tiver o serviço de inteligência que possa identificar quem das forças de segurança estão dentro dessas organizações criminosas. Isso não se faz com ocupação. O serviço de inteligência do Exército poderia ser usado para combater o crime que mais cresce no Rio de Janeiro, que são as áreas dominadas por milícia. Hoje, os territórios dominados por milícias são maiores que os territórios dominados pelo tráfico. O que essas ocupações vão fazer com relação às milícias, que ocupam boa parte das Zonas Norte e Oeste da cidade e Baixada Fluminense? São muitas as propostas que nós temos acumuladas de anos no Rio de Janeiro, fruto de pesquisas e de grandes profissionais da área de segurança pública, que poderiam ser usadas neste momento. Mas esta intervenção não é para melhorar a Segurança do Rio, mas para salvar a pele do PMDB.

Existe solução para a violência armada organizada vinculada às facções criminosas – digo as do trafico, não aquelas dentro dos governos…

Porque o maior crime organizado no Rio de Janeiro nos ultimos anos é o PMDB…

… Sem enfrentar a questão da "guerra às drogas"?

Não, não dá. É claro que quando estamos falando da segurança pública no Rio de Janeiro diante dos números, a população falar que quer saber de imediato, de agora, na emergência. E é natural, a pessoa está com medo de sair de casa, a gente tem que respeitar esse sentimento popular. Então, há medidas urgentes. A própria melhoria da condição do trabalho policial. A polícia do Rio está com salário atrasado, não recebeu o 13º. Os policiais do trabalho em Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) trabalham em containers em que a temperatura é de 50°. Você não vai ter uma segurança com um mínimo de qualidade com essa policia trabalhando nessas condições. Formação, valorização desse policial, são fundamentais. No Rio de Janeiro, deteriorou demais a condição de vida desses policiais.

Por outro lado, há medidas que se não começarmos a tomar agora, não vamos resolver isso porque iremos viver o resto da vida na emergência. O debate da legalização, sobre a descriminalização, das drogas é um deles. O mundo inteiro caminha para esse debate de forma mais séria e o Brasil continua fazendo aquilo que os EUA fizeram na década de 80, que é a guerra de drogas, criando territórios de inimigos, como este débil ministro fala. Como ministro da Justiça fala um negócio desses, deveria ser demitido no dia seguinte depois de uma frase patética como essa. Porque você vai criando territórios de inimigos e o Estado pode ser tão violento quanto crime ali, que a vida das pessoas não têm o mesmo valor que sua, que a minha. Ali é uma área de não direitos, de exceção. Debater a legalização das drogas é fundamental. Por outro lado, o que vai fazer com o sistema penitenciário? O sistema penitenciário está dentro da intervenção. É o sistema penitenciário que mais alimenta essa lógica das facções que depois entram em guerra nas favelas.

Até porque o sistema penitenciário do Rio de Janeiro é feito de quartéis generais das facções.

Porque, na verdade, é o Estado leiloado. Só classificam os presos pelas facções que supostamente eles têm ou que passam a ter dentro do sistema penitenciário. Não há política penitenciária. Não ter política penitenciária é a política penitenciária. Porque não se espera nada das prisões a não ser que não tenham fugas, nem rebeliões. Isso é uma intervenção com militar que vai resolver ou uma política pública sobre o sistema penitenciário? Isso alimenta as facções, que alimenta as guerras, que alimenta o trafico de armas, que alimenta a necessidade de cada vez mais armas. Essa é uma diferença do Rio para São Paulo, por exemplo. Não dá para a gente pegar tantos anos de acúmulo, de debates sérios sobre segurança responsável e ser atropelado por um governo ilegítimo, irresponsável, sem nenhum compromisso com a democracia, para tentar salvar sua pele.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto