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Joesley é exceção, pois a prisão sem condenação é negra e pobre no Brasil

Leonardo Sakamoto

09/03/2018 20h29

Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

A Justiça Federal em Brasília determinou a soltura do empresário Joesley Batista, dono da JBS, nesta sexta (9). Em sua decisão, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, afirmou que ele teria sido submetido a constrangimento ilegal pelo excesso de tempo preso preventivamente (seis meses) sem que a investigação tenha sido finalizada.

Ele e o diretor de Relações Institucionais do grupo J&F, Ricardo Saud, haviam sido presos a pedido de Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, acusados de omitir informações em suas delações premiadas. O processo analisa se houve obstrução de investigação sobre organização criminosa.

Sem entrar no mérito das responsabilidades envolvidas (ainda se discute a rescisão da delação premiada do empresário) , não se justifica a manutenção dos dois no xilindró sem condenação por tanto tempo.

Bem como não se justifica a de centenas de milhares de outros brasileiros presos por longos prazos sem condenação.

No último balanço do próprio governo federal, o país contava com 250 mil presos sem condenação em qualquer instância em 2014. Levantamento, do ano passado, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostrou que os presos provisórios representam, ao menos, 34% da população carcerária.

O tempo médio de prisão provisória é alto: de 172 dias em Rondônia a 974 dias em Pernambuco.

Do total, 29% dos provisórios são acusados de tráfico de drogas, 7% de furto e 4% de receptação. Homicídios respondem por apenas 13% do total.

Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo apontou que, do total de homens que deram entrada em centros de detenção provisória e responderam ao questionário, 62% tinha até 29 anos, 65% se declarava negro e 81% não tinha advogado. Entre as mulheres, 64,5% se declarava negra, 60,7% tinha até 29 anos e 80% não contava com advogado.

Ou seja, Joesley é uma das exceções, pois a prisão sem condenação é negra e pobre no Brasil.

Precisamos de leis com previsão de privação de liberdade para crimes graves ou que envolvam violência – não para coisas ridículas como venda de maconha.

Muita gente economicamente graúda foi em cana por conta de operações como a Lava Jato, o que é um alento. Com isso, fica a impressão de que nosso sistema de Justiça está melhorando. Mas o sistema segue considerando pesos diferentes a depender da classe social, tamanho da conta bancária, cor de pele, origem étnica, idade, gênero, ideologia e orientação sexual dos envolvidos todos sabemos.

Quase 40% são absolvidos logo na primeira instância de julgamento. Ou estamos punindo injustamente inocentes ou colocando pessoas que cometeram delitos mais leves para "estudar" em cadeias superlotadas. Que, como sabemos, foram transformadas em centros de comando de facções criminosas.

E apesar da prisão de Joesley Batista e de seu empregado terem sido solicitadas pela PGR e ordenadas pelo ministro Edson Fachin (a ação foi, depois, transferida para a primeira instância pelo STF), são os Tribunais de Justiça nos estados os grandes responsáveis pelo encarceramento provisório de massa.

O artigo 5° da Constituição Federal diz que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza".

É tão engraçado quanto aquela piada do papagaio que passava trote em Macapá.

Post atualizado às 22h52 do dia 09/03/2018 para inclusão de informações.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto