Execução de Marielle mata a "sensação de segurança" prometida por Temer
Leonardo Sakamoto
16/03/2018 13h39
Caixões da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes no Rio. Foto: Ricardo Borges/Folhapress
Logo após a intervenção federal ocupar a área de segurança pública no Rio de Janeiro, o escolhido por Michel Temer para a função, general Walter Braga Netto, afirmou que seria tomada uma série de providências para que a população percebesse a "sensação de segurança".
O problema é que ele não disse qual parte da população seria destinatária desse benefício.
Medidas tomadas pela intervenção que violaram direitos, como o registro fotográfico obrigatório dos moradores pobres que desejassem sair de uma comunidade, indicavam que o naco da cidade do qual falava o general era a sua parte "cartão postal".
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, também reforçou a percepção ao dar declarações mostrando que vê moradores de bairros pobres como combatentes inimigos. "Tem 1,1 milhão de cariocas morando em zonas de favelas, de perigo. Desse 1,1 milhão, como saber quem é do seu time e quem é contra? Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola."
Mas se é difícil garantir que mesmo a população mais rica se sinta segura com a presença das Forças Armadas, a execução de uma vereadora negra, representante política de uma comunidade pobre do Rio, ocorrida em uma região central e movimentada da cidade, debaixo das barbas da intervenção federal, deixa claro quem não são os beneficiários da Pax Temerista.
Porque uma das conclusões que se tira do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes é de que se você for pobre, negro e favelado vai continuar morrendo caso se meta a besta. Afinal, se mataram a quinta vereadora mais votada, imagine o que pode acontecer com quem não tem a mesma visibilidade.
Apenas uma investigação séria, transparente e célere poderá apontar os culpados, até lá tudo é especulação. Mas, como disse aqui, já é possível afirmar que o Estado é cúmplice por permitir que isso tenha acontecido. O poder público por incompetência ou má fé, não garante "sensação de segurança", mas "certeza de impunidade". Ainda mais se o ataque tenha sido cometido contra pessoas negras de um local pobre.
O assassinato de lideranças sociais pode ter diferentes efeitos em seus movimentos. Quando elas são largamente conhecidas dentro e/ou fora do país, as ondas de choque impulsionadas pela comoção pública podem levar à solução do crime e mesmo ao surgimento ou fortalecimento de novas lideranças. Em alguns raros casos até a solução do problema contra o qual lutavam. Quando são nomes pouco conhecidos, de comunidades desconectadas de redes de atuação fortes, um assassinato tende a apavorar os que ficam, desmobilizando. O primeiro caso é menos comum que o segundo, infelizmente, principalmente, na região rural do país.
A ação de Michel Temer, como denunciava a própria Marielle Franco, que seria a relatora da intervenção na Câmara dos Vereadores, tem caráter midiático, marqueteiro e eleitoreiro. Sem planejamento algum, usa a credibilidade das Forças Armadas como boia de salvação de sua popularidade naufragante.
Caso a investigação não apontar culpados ou for pouco transparente ou ainda acabar por envolver agentes públicos estaduais ou federais, a intervenção – que chegou a ser chamada de uma solução brilhante para os problemas de popularidade do presidente, levando-o a cogitar a disputa pelo Palácio do Planalto – se transformará no fim deste governo morimbundo. Que, no intuito de autopreservação, vai acabar levando o país junto com ele.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.