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Joaquim Barbosa e os juízes que deveriam aposentar toga para fazer política

Leonardo Sakamoto

01/04/2018 12h26

Foto: Carlos Humberto/STF

Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, deve sair candidato à Presidência da República pelo PSB. É bom quando um magistrado conhecido, mesmo que aposentado, resolve se candidatar a um cargo público para poder fazer leis ou executa-las. Isso não significa que compartilho de seus pontos de vista, nem que terá o meu voto. Mas em um momento em que juízes se sentem mais soltos para usar seus cargos a fim de proferir decisões em prol de seus interesses políticos ou extrapolando suas funções, Barbosa faz um movimento que deveria ser seguido por outros que estão na ativa.

Mesmo movimento fez Flávio Dino (PC do B), que largou a carreira de juiz federal para se tornar deputado federal e, depois, governador do Maranhão.

Aqui não estou discutindo o mérito da passagem de Joaquim Barbosa pelo Supremo Tribunal Federal, que não se resumiu, aliás, a ser o relator do julgamento do Mensalão, muito menos analisando sua competência técnica. Tampouco afirmando que ele não fez política quando esteve no STF, porque fez. O que significa que poderia ter deixado a magistratura para se candidatar muito antes. Apenas falando do correto funcionamento do Estado.

A separação das atribuições dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário é óbvia quando vista de cima. Mas, olhando mais de perto, há profundas discussões sobre os limites das competências de fazer, executar e julgar a aplicação de leis.

Mesmo assim, devemos perseguir essa separação, com um poder fiscalizando e limitando a influência do outro. Pois a partir do momento em falham os freios e contrapesos e um deles acumula funções dos demais, temos um desequilíbrio democrático que pode levar à criação de um regime autoritário. Mesmo que mascarado com um verniz republicano.

E, por mais que o Judiciário preste notáveis serviços à nação, inclusive no combate à corrupção estrutural que cultivamos por aqui há séculos, aqui e ali arvoram-se ministros que acreditam poder reescrever a Constituição Federal ao invés de interpretá-la. Ou desembargadores que torturam o texto das leis até que entreguem aquilo que não foi previsto pelo legislador, mas que é essencial para a argumentação presente em uma revisão de sentença que atenda a seus interesses. Ou ainda juízes que simplesmente ignoram garantias fundamentais para reafirmar seus próprios preconceitos, passando por cima de milênios de construção sobre direitos e séculos de acúmulo de jurisprudência.

Cada magistrado pode e deve ter opiniões. E é claro que sua orientação ideológica vai influenciar na condução de suas atividades e em suas decisões – natural que seja assim, afinal, não estão excluídos do tecido social. E uma corte como o STF, na prática, é menos técnica e mais política. O problema é quando extrapolam as suas funções e passam a analisar os casos não à luz da lei, mas de seus próprios interesses, enterrando a busca pela imparcialidade.

Se quer agir como os Poderes Legislativo e Executivo, um juiz deveria largar a toga. Simples assim. Até porque nossa Constituição prevê que as pessoas escolhidas para essas atividades tenham sido eleita pela população, representando suas opiniões e seus desejos, e não tendo prestado concurso público.

O desrespeito a essa separação de tarefas vai esgarçando as instituições, talvez até um ponto de não retorno. E são as instituições, que ajudam a manter a coesão social de um país, são mais frágeis do que se imagina.

Em tempo: será interessante ver como o Brasil, que cultiva tanto o racismo escancarado quanto o hipócrita e dissimulado, e que pode eleger um candidato abertamente homofóbico, misógino, machista, autoritário, apologista de torturadores e inimigo dos direitos humanos, vai reagir diante de um candidato negro de um partido com tempo de TV.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto