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Temer: Para rico, perdão de dívida. Para pobre do Bolsa Família, migalha

Leonardo Sakamoto

27/04/2018 21h23

Foto: Leonardo Benassatto/Reuters

O governo federal tenta mostrar que está suando a camisa para esticar o aumento do Bolsa Família e entregar uma "boa notícia" à população – ainda mais num momento em que a investigação sobre Michel Temer por lavagem de dinheiro envolve uma família em especial – a dele.

Talvez se a cúpula do governo se dedicasse com o mesmo afinco aos trabalhadores com o qual resolve o problemas das grandes empresa e do mercado, teria a simpatia da população.

Considerando o valor médio pago pelo programa (R$ 177,71, no mês de abril, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social) a mais de 13,7 milhões de famílias, um aumento de 6% representaria R$ 10,66. É pouco, mas compra 5 kg de arroz, 5 kg de farinha de trigo ou 2,5 kg de feijão. Daria cinco coxinhas ou os ingredientes para vários sanduíches de mortadela. É muito para quem nada tem, mas pouco pelo fato de sermos um país rico e desigual.

Mas o problema principal não é o valor do Bolsa Família, mas outra informação divulgada nesta sexta (27): segundo o IBGE, a taxa de desemprego ficou em 13,1% no primeiro trimestre deste ano. Maior que a do trimestre anterior (11,8%) e um pouco menor que aquela registrada no mesmo período do ano passado (13,3%). São 13,7 milhões de desempregados.

Não adianta dezenas de analistas aparecerem nos veículos de comunicação dizendo que o povão está errado porque não percebeu que o país melhorou. A maior prova que o Brasil patina é que os índices de satisfação de Temer estão menos atraentes que, em ordem decrescente: 1) O barulho da broca do dentista, aquela mais fininha; 2) Uma grande injeção de Benzetacil nos glúteos; 3) Mastigar papel alumínio com obturação de amálgama de prata. Taxas de aprovação teriam crescido se as pessoas tivessem grana no bolso para voltar a comer, vestir-se e comprar como antes.

A esta altura do campeonato, parte da população compartilha a sensação de ter sido vítima de propaganda enganosa. Pois viu, na TV, os discursos palacianos que garantiam a Terra Prometida no curto prazo. Mais precisamente após a aprovação das Reforma Trabalhista e da Lei da Terceirização Ampla.

Caso Temer tivesse corrigido os erros do governo Dilma Rousseff na economia e tivesse um plano de desenvolvimento que fosse pensado para o trabalhador e não apenas para o capital, não colocando peso demais no setor agroexportador, mas também legitimidade para lidar com o Congresso Nacional e não apresentasse como principal pauta sua própria sobrevivência e a de sua turma diante de uma mar de denúncias de corrupção, a história seria diferente. Mas, aí, o país seria outro também.

Se os empregos estivessem crescendo com vigor, mesmo que a Polícia Federal divulgasse fotos suas, de tanga, em um apartamento-bunker no Alto de Pinheiros decorado por seu amigo Geddel Vieira Lima, como ele nadando, como Tio Patinhas, em notas de R$ 100,00, o pragmático eleitor brasileiro poderia até dar de ombros, tacar um "15" e "Confirma".

Afinal, Lula, alvejado pela Lava Jato por todos os lados, hoje perde a eleição apenas para Lei da Ficha Limpa. Caso contrário, seria eleito facilmente. E, se duvidar, no primeiro turno, dada a memória do emprego e do crédito fácil em seu governo.

Notícia bombástica, daquelas de fazer esquecer a existência de maracutaias no Porto de Santos, seria se Temer anunciasse que enviaria ao Congresso Nacional um projeto para voltar a taxar em 15% os dividendos recebidos por grandes acionistas. E que criaria alíquotas de 30%, 35% e 40% no Imposto de Renda voltadas a quem ganha muito. Com um reajuste decente na tabela, isentando a maior parte da classe média. E que usaria os recursos em programas de moradia e no próprio Bolsa Família, dando um aumento expressivo ao grupo de famílias que mais precisam. Por fim, removeria a maior parte dos impostos relacionados ao consumo – exceto produtos de luxo, claro.

Apesar de estudos para tanto existirem e terem avançado no âmbito de seu governo, acabaram abortados no ano passado por pressão de uma elite que acredita, sinceramente, que é a classe social escolhida por Deus. E que, portanto, deve ser protegida em caso de crise a qualquer custo. Inclusive o da dignidade dos mais pobres.

Há técnicos extremamente qualificados no Ministério do Desenvolvimento Social fazendo um excelente trabalho com relação aos programas de distribuição de renda. Mas há também quem, na cúpula do Estado brasileiro, pareça jogar contra. Rodrigo Maia, por exemplo, causou espanto, quando disse, em janeiro, que o Bolsa Família "escraviza as pessoas". Segundo ele, programa social bom é aquele que "dá condições para que a pessoa volte à sociedade" e, por conta própria, consiga um emprego. "A cidadania é um emprego, a cidadania não é depender do Estado brasileiro."

É um tanto quanto assustador quando o presidente da Câmara dos Deputados de seu país afirma que a cidadania – o conjunto dos direitos e deveres civis e políticos dos indivíduos junto à sociedade – é o mesmo que um emprego. Atrela, dessa forma, a vida em coletividade à prestação de serviços a alguém. E não o respeito às integridades física, psicológica, emocional e intelectual das pessoas. Pela lógica adotada por ele, o Estado só garante cidadania quando a pessoa não depende dele. O que temos observado na vida real vai além: quanto mais você não precisa do Estado mais o Estado te estende a mão. A ponto de você se tornar um dependente econômico dele. Não para sobreviver, mas para continuar rico.

Talvez seja por isso que a Câmara dos Deputados dirigida por Rodrigo Maia aprovou um perdão bilionário de dívidas das grandes e médias empresas com o poder público, o Refis, sancionado posteriormente por Michel Temer no ano passado.

Para os mais ricos, descontos nos juros e multas e parcelamentos a perder de vista. Para os mais pobres entre os pobres, um quilo de salsicha de reajuste do Bolsa Família.

Mas, veja, com R$ 10,00 dá para comprar várias bananas. Que é, afinal de contas, a fruta com a qual o beneficiário do programa se identifica quando percebe que continua sendo tratado como dano colateral pelos dirigentes de seu país. E aquele sonhado emprego – que faria com deixasse o apoio do Bolsa para trás – continua distante.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto