Novo ataque a tiros abre temporada de caça e abate de petistas no Paraná
Leonardo Sakamoto
28/04/2018 12h41
Por volta das 4h deste sábado, o acampamento em apoio a Lula, em Curitiba, foi atacado a tiros. O sindicalista Jefferson Lima de Menezes foi ferido no pescoço e encaminhado, em estado grave, para o Hospital do Trabalhador. Outra pessoa, atingida por estilhaços, foi socorrida e liberada. A Polícia Civil recolheu cápsulas de pistola 9 mm no local.
O acampamento se encontra em terreno alugado pela organização, a 750 metros do local onde o ex-presidente cumpre pena. As barracas haviam sido transferidas da frente da sede da Polícia Federal por exigência da Justiça. Outros ataques e ameaças já haviam sido registrados, mas este é o primeiro com um ferido por arma de fogo.
Há um mês, no dia 27 de março, um ônibus da caravana do ex-presidente Lula pela região Sul que transportava jornalistas foi atacado a tiros entre as cidades paranaenses de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul. Ninguém saiu ferido. Os indícios foram de emboscada, uma vez que encontrou-se material para furar pneus, forçando os ônibus a parar. A perícia policial confirmou os projéteis.
Como suspeitos não foram apontados e, mesmo após esse precedente aberto, o governo do Paraná não garantiu segurança ao acampamento, podemos dizer que está aberta, oficialmente, a temporada de caça e abate a petistas por arma de fogo no Estado.
Essa constatação talvez não existiria se todas as autoridades, organizações sociais, partidos, associações empresariais e sindicatos no país, independentemente de seu posicionamento ideológico, tivessem repudiado vigorosamente o ataque a tiros contra o ônibus. E não dado trégua ao poder público até que uma resposta fosse dada de forma a servir de exemplo a qualquer outra pessoa ou grupo que tentasse repetir o ato.
Contudo, apenas uma parte da sociedade exigiu explicações. Outro naco, irresponsável e inconsequente, defendeu que tal ato era uma armação para "vitimizar" Lula e justificar uma "narrativa de perseguição". Houve quem celebrasse publicamente e declarasse que era uma pena o ex-presidente não ter sido atingido – reforçando a importância do Sistema Único de Saúde oferecer tratamento psiquiátrico gratuito. Até políticos de calibre nacional, que vendem uma imagem moderada, chegaram a afirmar que o PT estava plantando o que colheu. Ou seja, balas.
O que assusta, contudo, é que uma grande parte ficou em silêncio, buscando demonstrar uma pretensa imparcialidade ou fazendo de conta que isso não lhe dizia respeito.
Esse padrão de ataques que, independentemente da motivação ganha cunho político, é registrado desde sempre no interior do Brasil. Agora, estamos a caminho de banalizar balas contra o maior partido do país em número de deputados federais. O que virá a seguir?
Como citei aqui, há um mês, no livro "Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal", a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento. Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.
Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não possuía história de preconceito aos judeus e não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, ascenderia na carreira e seria reconhecido entre seus pares por isso. Cumpria ordens com eficiência, sendo um bom burocrata, sem refletir sobre o mal que elas causavam.
A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-lo em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado.
Seria fácil pensar assim, aliás. Mas, para ela, a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o "mal" se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência.
É assustador saber que alguém visto como "normal" e "comum" pode ser capaz, nos contextos histórico, político e institucional apropriados, tornar-se o que convencionamos chamar de monstro. Ou seja, os monstros são nossos vizinhos ou podemos ser nós mesmos. Pessoas que colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em redes sociais: que seus adversários políticos e ideológicos são a corja da sociedade e agem para corromper os valores morais, tornar a vida dos "cidadãos pagadores de impostos", um inferno, e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que vivem na penumbra e nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do bem.
O Paraná precisa apontar os responsáveis por ambos os ataques, sob o risco de estar ajudando a semear algo que depois não poderá ser contido. O problema é que o tipo de erva daninha pode se alastrar por todo o país. E, sim, você que se acha protegido da loucura lá fora, uma hora ela pode bater à sua porta. Pois quando o ódio e a intolerância se tornarem uma praga violenta de dimensões nacionais, nenhum de nós terá como se esconder.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.