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O governo Temer tem ajudado a pavimentar o caminho para Bolsonaro

Leonardo Sakamoto

30/04/2018 11h49

Michel Temer participa da abertura da Expozebu. Foto: Joel Silva/Folhapress

É curioso verificar que o governo Temer fortaleceu a musculatura da candidatura de Jair Bolsonaro involuntariamente.

Para chegar ao poder, o presidente teve que fechar acordos com parte do poder econômico e da velha política, com a promessa de apoio a mudanças legais, perdões de dívidas bilionários e redução de impostos, entre outros benefícios.

Depois, para se manter diante de duas denúncias criminais encaminhadas para a Câmara dos Deputados pelo Supremo Tribunal Federal, abriu novamente o guichê do Estado a fim de comprar os votos necessários. Chegou a alterar o conceito de trabalho escravo contemporâneo, dificultando a libertação de pessoas, no intuito de agraciar empresas da construção civil e atender uma antiga demanda ruralista. A medida foi suspensa pelo STF e, depois, revogada pelo próprio Ministério do Trabalho.

Isso teve seus efeitos colaterais, claro. Um deles foi jogar no colo do candidato ultraconservador um naco de grupos que estavam, historicamente, atrelados a outras candidaturas.

Nos governos do PSDB e do PT, esses grupos tinham largo acesso à máquina pública, mas eram obrigados a conviver com algumas limitações impostas por grupos que faziam parte da base de apoio a esses dois partidos – de organizações e movimentos sociais, passando pela academia até chegar aos sindicatos. Afinal, a Constituição Federal de 1988, nossa última grande pactuação nacional, prevê que o Estado tem o dever de garantir a economia de mercado, mas também defender os direitos sociais.

O governo Temer, no intuito de existir e sobreviver, retirou esses freios que protegem o quinhão básico de dignidade de indígenas, quilombolas, ribeirinhos, população LGBTT. Aprovou uma PEC do Teto dos Gastos que, congelando por 20 anos os investimentos públicos, coloca em risco a qualidade de vida dos mais pobres. Passou uma Reforma Trabalhista que não foi discutida devidamente com a sociedade e que privilegia os empregadores. Ao mesmo tempo, o Congresso Nacional fez tramitar projeto que colocam em risco direitos de mulheres, negros, entre outros.

O governo fraco fez com que os ruralistas mais radicais, os defensores das armas e os fundamentalistas religiosos sentissem o gosto de todo o poder – e não apenas da (já grossa) fatia que recebiam para apoiar quem estivesse no Palácio do Planalto. E não vão querer abrir mão disso. Mais por conta das possibilidades abertas por um candidato ultraconservador que não tem nada a perder do que por mérito de costura de sua campanha, esses grupos decantam em Bolsonaro.

Ele, que começou sua carreira parlamentar atuando na defesa trabalhista de soldados, cabos e sargentos do Exército, vai acomodando o seu discurso à medida em que diferentes grupos vão se unindo à sua candidatura. Isso ajuda a explicar o porquê de um diretor da Sociedade Ruralista Brasileira deu às costas a Alckmin por ele. "O Geraldo é um piloto de 747, só que estamos sobre a Síria. O Bolsonaro é um piloto de F-16", disse Frederico D'Ávila, em entrevista para a Folha.

Em outras palavras, para eles, a hora de atacar é agora com o esgarçamento das instituições que mantinham, a trancos e solavancos, a pactuação de 1988.

O paralelo com a Síria, que conta com um governo autoritário e sem controle sobre o território e que pouco se importa se a fatia mais pobre da população vive ou morre é bastante pertinente. Com a diferença que aqui tomba mais gente de forma violenta que lá – mais de 61 mil contra uma estimativa em torno de 44 e 50 mil em 2016.

Muitos que ignoram e desdenham Bolsonaro, o que não é o caso deste blog, afirmam que sua campanha sumirá em agosto porque é vazia. Eu já discordava dessa afirmação antes e, agora, ainda mais com a revoada de almas penadas percebendo que podem encarnar, com voz, veto e chave do cofre, em seu governo.

Considerando que a centro-esquerda e a centro-direita demoram em apresentar e fazer chegar à população um projeto claro de geração de empregos, segurança pública e reinvenção da política, o fim da Nova República segue seu curso. Ao se brincar com instituições deve-se lembrar que a realidade, mais cedo ou mais tarde, cobra seu preço.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto