E dinheiro público para saúde, educação, ciência e dignidade virou diesel
Leonardo Sakamoto
01/06/2018 03h37
Para conseguir entregar o desconto de 46 centavos por litro de diesel prometido aos caminhoneiros, o governo federal vai cortar mais de R$ 1,2 bilhão que seria usado para garantir qualidade de vida. Ou seja, o custo do acordo conduzido por Michel Temer para encerrar a greve caiu nas costas da população. Preferiu esse caminho a mexer na política da Petrobras.
Outros R$ 12,1 bilhões devem ser cobertos pela reoneração da folha de pagamento de vários setores, pelo corte de subsídios concedidos a exportadores e às indústrias química e de refrigerantes, por recursos que iriam para capitalizar estatais, além da utilização da reserva orçamentária.
Mas R$ 1,2 bilhões sairá do cancelamento de previsões de gastos públicos que estavam pendentes de recursos. As 35 páginas com a longa lista de cortes veio com a Medida Provisória 839, assinada na quarta (30), e publicada no Diário Oficial da União.
Entre eles, salta aos olhos o montante retirado do Sistema Único de Saúde (SUS), mais de R$ 142 milhões. Não é, contudo, o único corte na área. Também houve prejuízo para a saúde dos povos indígenas e o saneamento básico. Por outro lado, o abate na reforma agrária e a derrubada de recursos para a regularização fundiária de terras públicas na Amazônia deve ter levado alegria a uma naco da base ruralista de Temer.
Há também cortes irracionais, como o de recursos à fiscalização de saúde e segurança do trabalhador. Uma vez que a inspeção tem papel arrecadador (cobra contribuições previdenciárias e encargos sociais das empresas), o governo vai economizar logo em quem pode lhe fazer caixa. A menos, claro, que haja uma intenção de enfraquecer a fiscalização que tanto causa problema quem não cumpre direitos trabalhistas.
Isso sem falar nos cortes mais irracionais ainda, como o relacionado ao enfrentamento da violência contra as mulheres.
Como esperado, educação, pesquisa, ciência e tecnologia entraram também na guilhotina – o que seria um problema se nos preocupássemos com o futuro. Também não é novidade o corte na área de prevenção de desastres, uma vez que o desastre já está instalado nacionalmente.
Colhi alguns cortes nas páginas do Diário Oficial, os que considerei especialmente relevantes, com o respectivo valor:
– Promoção dos Direitos da Juventude: Perdeu R$ 425 mil
– Políticas para as Mulheres – Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência: Perdeu R$ 661,6 mil
– Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultura Familiar: Perdeu R$ 5,4 milhões
– Regularização da Estrutura Fundiária em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal: Perdeu R$ 12 milhões
– Promoção da Educação do Campo: Perdeu R$ 1,8 milhão
– Organização da Estrutura Fundiária: Perdeu R$ 5,64 milhões
– Desenvolvimento de Assentamentos Rurais: Perdeu R$ 3,21 milhões
– Obtenção de Imóveis Rurais para Criação de Assentamentos da Reforma Agrária: Perdeu R$ 20,12 milhões
– Apoio ao Desenvolvimento de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono: Perdeu R$ 31,1 mil
– Apoio ao Desenvolvimento e Controle da Agricultura Orgânica: Perdeu R$ 87,5 mil
– Fomento a Projetos de Implantação, Recuperação e Modernização da Infraestrutura de Pesquisa das Instituições Públicas de Ciência e Tecnologia: Perdeu R$ 1,9 milhão
– Fomento a Pesquisa e Desenvolvimento em Áreas Básicas e Estratégicas : R$ Perdeu 7,15 milhão
– Subvenção Econômica a Projetos de Desenvolvimento Tecnológico: Perdeu R$ 2,52 milhão
– Policiamento Ostensivo nas Rodovias e Estradas Federais: Perdeu R$ 1,53 milhão
– Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas e a Crimes Praticados Contra Bens, Serviços e Interesses da União: Perdeu R$ R$ 4,13 milhões
– Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas e Proteção dos Povos Indígenas Isolados: Perdeu R$ 625,3 mil
– Força Nacional de Segurança Pública: Perdeu R$ 1,9 milhão
– Política Pública sobre Drogas: Perdeu R$ 462,3 mil
– Redes de Cuidados e Reinserção Social de Pessoas e Famílias que Têm Problemas com Álcool e Outras Drogas: Perdeu R$ 1,13 milhão
– Serviços Consulares e de Assistência a Brasileiros no Exterior: Perdeu R$ 692,5 mil
– Relações e Negociações Bilaterais – No Exterior: Perdeu R$ 5 milhões
– Relações e Negociações Multilaterais: R$ 261,4 mil
– Promoção Comercial e de Investimentos: R$ 377,5 mil
– Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS): Perdeu R$ 142,62 milhões
– Saneamento Básico: Perdeu R$ 6,2 milhões
– Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena: Perdeu R$ 15,13 milhões
– Implementação da Segurança Alimentar e Nutricional da Saúde: Perdeu R$ 2 milhões
– Publicidade de Utilidade Pública para Saúde: Perdeu R$ 2,46 milhões
– Dragagem de Adequação da Navegabilidade em Portos: Perdeu R$ 45,6 milhões
– Construção e adequação de transporte terrestre: Perdeu R$ 368,9 milhões
– Construção, Reforma e Reaparelhamento de Aeroportos e Aeródromos de Interesse Regional: Perdeu R$ 8,38 milhões
– Fiscalização de Obrigações Trabalhistas e Inspeção em Segurança e Saúde no Trabalho: R$ 1,89 milhões
– Manutenção, Modernização e Ampliação da Rede de Atendimento do Programa do Seguro-Desemprego no Âmbito do Sistema Nacional de Emprego (Sine): Perdeu R$ 853 mil
– Identificação da População por meio da Carteira de Trabalho e Previdência Social: Perdeu R$ 947,9 mil
– Gestão do Uso Sustentável da Biodiversidade: Perdeu R$ 209,8 mil
– Combate à Mudança climática: Perdeu R$ 445 mil
– Controle e Fiscalização Ambiental: Perdeu R$ 1,2 milhão
– Apoio à Criação, Gestão e Implementação das Unidades de Conservação Federais: Perdeu R$ 2,9 milhões
– Desenvolvimento de Atividades e Apoio a Projetos de Esporte, Educação, Lazer, Inclusão Social e Legado Social: Perdeu R$ 2,41 milhões
– Concessão de Bolsa a Atletas: Perdeu R$ 726,3 mil
– Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado: Perdeu R$ 44,5 milhões
– Apoio a Obras Preventivas de Desastres: Perdeu R$ 1,94 milhão
– Aperfeiçoamento, modernização e expansão dos Sistemas do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres: Perdeu R$ 628 mil
– Implantação de Obras e Equipamentos para Oferta de Água: Perdeu R$ 972,9 mil
– Implantação de Obras de Infraestrutura Hídrica: Perdeu R$ 1,3 milhão
– Administração de Projetos Públicos de Irrigação: Perdeu R$ 16,1 milhões
– Revitalização da bacia hidrográfica do rio São Francisco: Perdeu R$ 1,1 milhão
– Desenvolvimento Integral na Primeira Infância – Criança Feliz: Perdeu R$ 3,9 milhões
– Gestão da Previdência Social: Perdeu R$ 26,8 milhões
– Consolidação do Sistema Único de Assistência Social (Suas): Perdeu R$ 9,73 milhões
– Apoio a Sistemas de Drenagem Urbana Sustentável e de Manejo de Águas Pluviais em Municípios Críticos sujeitos a eventos recorrentes de inundações, enxurradas e alagamentos: Perdeu R$ 434 mil
– Apoio à Produção ou Melhoria Habitacional de Interesse Social: Perdeu R$ 7,74 milhões
O governo Michel Temer preferiu jogar a conta do desconto no diesel sobre os que dependem de serviços públicos, evitando alterar a política de preços da Petrobras – empresa de capital misto cujo controle é da União. Por mais que ela tenha um dever com todos os acionistas, a maior parte da população espera que atue como um instrumento de desenvolvimento social, agindo – na medida do possível – para tornar a vida de seus acionistas indiretos (o povo) mais palatável.
Isso não significa impossibilitar uma gestão profissional na mais importante empresa brasileira ou inviabilizar a sua rentabilidade. O problema é que, para fugir do equivocado controle de preços adotado pelo governo Dilma Rousseff, Michel Temer foi ao outro extremo e entregou as decisões ao mercado. E com medo de perder apoio de quem foi fiador de sua subida à Presidência, preferiu enfrentar um país do que o poder econômico.
A opção que adotou pode aumentar a quantidade de dinamite na bomba-relógio sobre a qual o país está esplendidamente sentado. Pois se população está cansada de pagar imposto sem ver os resultados, ficará ainda mais possessa se mais serviços públicos deixarem de funcionar.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.