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Os donos do dinheiro apoiarão a opção autoritária e violenta nas eleições?

Leonardo Sakamoto

07/06/2018 20h15

Em nome de seus interesses, os donos do dinheiro apoiariam uma opção autoritária no Brasil?

Creio que a melhor resposta para isso seria: "De novo?"

A última ditadura militar brasileira foi sustentada internamente por empresários que tinham seus interesses sustentados por ela. O próprio golpe de 1964 foi, em larga escala, uma pactuação de empresários com outros setores conservadores da sociedade para uma modernização violenta.

A simbiose era tamanha que indústrias denunciavam operários "subversivos" para serem torturados pelos órgãos do governo e, em troca, greves eram reprimidas com bomba, bala e borracha pelo poder público.

Isso sem contar a concessão de subsídios para a implantação de empreendimentos agropecuários na Amazônia, os incentivos ao desmatamento, a porrada liberada sobre indígenas e quilombolas que atrapalhavam o progresso e a indiferença para a superexploração do trabalho. Nesse contexto, uma montadora de carros, como a Volkswagen, tornou-se dona de uma fazenda que viria a ser denunciada internacionalmente por trabalho escravo e foi palco de tortura de empregados em suas fábricas.

Diante do fracasso até aqui de candidaturas simpáticas ao mercado, como a de Geraldo Alckmin e de outros partidos de direita e centro-direita (chamar esse grupo da base de apoio do governo Michel Temer de "centro" é dobrar a realidade), o mercado começa a precificar Jair Bolsonaro.

Parte dos operadores, principalmente o baixo clero, ama o capitão do Exército. Parte, contudo, articula o discurso do "mal menor" diante da possibilidade de um segundo turno com Ciro Gomes. Isso apesar do ex-ministro ter sido o primeiro candidato a apresentar um plano de Reforma da Previdência, que, aliás, agrada parte do mercado. Em linhas gerais, propõe a imposição de um teto menor de benefícios para o atual INSS e o que passar disso funcionaria como um sistema de capitalização individual.

Caso siga por esse caminho, parte do poder econômico saltará de cabeça na piscina vazia do autoengano. Considerando a inconstância, o voluntarismo e a falta de preparo do pré-candidato militar à Presidência da República, é preocupante que alguém realmente acredite que ele vai entregar a gestão da economia a tecnocratas e cuidar só de fiscalizar o sexo alheio e insultar mulheres.

A "ordem" que ele prega não significa apenas criar um banho de sangue sob a justificativa de reduzir o banho de sangue em curso. Em algum momento, isso vai resvalar para outras áreas, como o comércio internacional. Daí, se você não é feito de nióbio, pode contar desde já com a mão peluda da intervenção. Sim, tem gente que vai ficar com saudade da Dilma.

Não vou entrar na discussão sobre a natureza do capital ou o espírito do capitalismo. Esse não é o ponto.

Mas não deixa de ser deprimente, para dizer o mínimo, ver que 54 anos depois, parte de nossa elite econômica e de seus guerreiros continuam preferindo internalizar lucros do que defender os valores da liberdade.

Os candidatos do mercado vêm perdendo eleições desde 2002. Mas o mercado, mesmo perdendo, ganha. Tanto que a renda do capital cresceu mais do que a do trabalho no governo Lula. E poucas vezes seus desejos foram tão atendidos quanto no governo Dilma.

Mas isso não basta, o mercado quer tudo – e quer agora. Tanto que apoiou a chegada de Temer ao Palácio do Planalto para que ele implementasse as reformas que lhe interessavam, como a Trabalhista e a da Previdência. E, hoje, quer se manter no poder elegendo um candidato.

Porém, mesmo com Lula na cadeia, o mercado pode perder de novo uma eleição. Daí surge a opção de abraçar figuras autoritárias. Cansaram de "brincar" de democracia?

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto