62% dos jovens querem ir embora. Até por que o Brasil deseja matá-los
Leonardo Sakamoto
17/06/2018 04h18
Jovem de 17 anos, vítima de chacina, na Zona Leste de São Paulo em 2014. Foto: Avener Prado/Folhapress
Quando 62% dos jovens entre 16 e 24 anos de um país desejam mudar-se para outro lugar, pode-se dizer que o futuro desistiu.
Mas o futuro não desiste tão facilmente. Ainda mais por que estamos falando de jovens, o grupo social que alimenta a ideia de que o dia seguinte será melhor. Para chegar a essa situação, portanto, houve um esforço amplo e duradouro desse país.
O futuro desistiu do Brasil por que o Brasil desistiu do seu futuro muito antes.
E não se trata aqui apenas falhar na garantia de emprego decente e educação de qualidade. Mas no respeito à vida e na proteção nos níveis mais básicos da dignidade.
Pesquisa Datafolha, divulgada neste domingo (17), da qual esse número foi extraído, aponta também que quanto mais rica e escolarizada, mais a pessoa iria embora se pudesse.
Para os jovens, principalmente negros e pobres, migrar para fora do Brasil deveria ser uma garantia humanitária, uma vez que o seu próprio país não apenas deseja matá-lo, como efetivamente mata.
De acordo com o Atlas da Violência 2018, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre dados do Ministério da Saúde, de 2006 a 2016, 324.967 jovens entre 15 e 29 anos morreram de forma violenta.
A taxa de homicídios nesse grupo (65,5 por 100 mil habitantes) é mais que o dobro da média nacional e seis vezes a média global. Considerando apenas jovens homens, ela sobe para 122,6/100 mil.
Nesse período de tempo, o número de homicídios de negros aumentou 23,1% e, do restante da população, caiu 6,8%. Em 2016, a taxa de homicídios de negros foi de 40,2 mortes para cada 100 mil habitantes, enquanto os demais grupos registraram 16 mortes para cada 100 mil.
Muitas dessas mortes ocorrem na forma de pacotes, em chacinas, nas periferias das grandes cidades brasileiras, seja pelas mãos do tráfico, de milícias ou de integrantes da própria polícia. Não raro, elas permanecem sem solução. Não é que a nossa sociedade não consegue apontar e condenar culpados. Ela não faz questão. Pelo contrário, não raro apoiam formas de "limpeza social" do que chamam de "pessoal perigoso", que ameaçam os "cidadão de bem" pagadores de impostos.
Somos um povo que, para construir um futuro melhor, vai matando seu próprio futuro. O mais triste é que, quando percebermos essa contradição, já será tarde demais.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.