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"Péssimo exemplo para as crianças" é um técnico de futebol machista

Leonardo Sakamoto

02/07/2018 15h59

Foto: Enrique Marcarian/Reuters

"Futebol é um esporte forte, esporte de homens."

Juan Carlos Osorio, técnico da seleção masculina de futebol do México, matou dois coelhos como uma cajadada só na entrevista que concedeu após seu time perder do Brasil por 2 a 0, nesta segunda (2), nas oitavas de final da Copa do Mundo.

Demostrou que não consegue aceitar derrotas (o que é uma pena, pois tanto ganhar quanto perder faz parte do esporte) e demonstrou que tem dificuldades de viver em sociedade (o que é uma pena, pois visões tacanhas e misóginas do mundo deveriam estar se tornando peça de museu).

"É um péssimo exemplo para o mundo do futebol e para todas as crianças que estão acompanhando." Osorio achava que estava criticando a arbitragem que, em sua opinião, teria dado atenção demais a Neymar e favorecido o Brasil.

Mas, inconscientemente, criticava a si mesmo.

Muitas pessoas (como eu) acham que Neymar dramatiza demais as (muitas) faltas que sofre. Mas há outras formas de dizer isso que não apelando para o machismo do técnico do México

Nós, homens, pensaríamos duas vezes antes de fazermos comentários machistas, preconceituosos e violentos se tivéssemos medo de sermos criticados, repreendidos e humilhados publicamente por outros homens em uma entrevista transmitida para o mundo pela TV, rádio e internet. Ou em um almoço de família, no intervalo das aulas da faculdade, na mesa de bar. E, é claro, também nas conversas, publicações, curtidas e compartilhamentos nas redes sociais.

Em sociedades historicamente estruturada em torno da violência de gênero, como a mexicana e a brasileira, nossa responsabilidade como homens não é apenas evitar que nós mesmos sejamos vetores dessa violência. Se você fica em silêncio diante de situações como essa, sinto lhe informar que tem optado pela saída fácil da delinquência social.

Coloquemos a culpa no processo de formação da América Latina, na herança dos patriarcalismos português e espanhol, nas imposições religiosas, no Jardim do Éden e por aí vai. É mais fácil atestar que somos frutos de algo, determinados pelo passado, do que tentar romper com uma inércia que mantém cidadãos de primeira classe (homens, ricos, brancos, heterossexuais) e segunda classe (mulheres, pobres, negras e índias, homossexuais, trans etc.) Tem sido uma luta inglória, mas necessária. Que inclui uma profunda reflexão sobre nossos próprios comportamentos e o reconhecimento público daqueles que, com seus atos e palavras, nos fazem avançar como sociedade.

Como já disse aqui, nós, homens, temos a responsabilidade de educarmos uns aos outros, desconstruindo nossa formação machista, explicando o que está errado, impondo limites ao comportamento dos outros quando esses foram violentos, denunciando se necessário for. Alguns podem argumentar que Osorio quis opor homens a meninos. Uma coisa é, contudo, a intenção. A outra, a execução e a recepção disso junto ao público. 

Existe um abismo entre o futebol ser esporte de "homens" e de "adultos". O futebol não precisa ser "viril", termo relacionado ao masculino que Osorio usou.

A seleção feminina de futebol brasileira, por exemplo, conta com jogadoras que são duplamente vitoriosas: em campo e fora dele – uma vez que nossa sociedade garante todas suas atenções, tempo de TV e recursos financeiros aos times masculinos e deixa as mulheres praticamente à sua própria sorte.

Sim, infelizmente o Brasil também acha que futebol é esporte de homens e meninos e não de mulheres e meninas. Portanto, o machismo imbecil da declaração de Osorio nos representa como país e como continente.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto