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Falta gente no meio de campo do Brasil. E não é no futebol

Leonardo Sakamoto

03/07/2018 21h13

Paulinho, ao encobrir o goleiro e abrir o 2 a 0 brasileiro contra a Sérvia. Foto: Eugênio Sávio

Casemiro faz uma boa Copa. Willian voltou a mostrar futebol bonito. Philippe Coutinho é elogiado na imprensa internacional, ainda que não tenha brilhado contra o México. Paulinho segue razoável, mas já ficará lembrado por uma pintura de gol.

Se não dá para reclamar do meio de campo de nossa seleção masculina na Rússia, o mesmo não se pode dizer da situação do meio de campo do Brasil.

Por aqui, a situação se degrada com "times" ocupando apenas sua grande área, trocando passes inúteis entre si, negando-se a jogar de forma limpa e aberta com adversários. Com isso, o debate público foi interditado. E a reconstrução de um país, paralisada.

Não estou falando do meio de campo como o meio, o centro do espectro político, mas como o campo das discussões, a esfera pública. Sem ela, não resolvemos nossas diferenças, nem avançamos como sociedade.

Pessoas que resolvam deixar sua grande área e seguir em direção ao campo adversário para jogar cara a cara e de forma justa são vistas com desprezo, chamadas de "isentonas", tratadas como traidoras por quem, em tese, é do mesmo time. Quem faz pontes (de diálogo) tem sido chamado de idiota e inocente.

Ocupar o meio de campo e enfrentar o adversário como tal e não como inimigo é visto como algo abominável por aqui. Bom mesmo é tocar bola em seu próprio campo, fazer jogadas ensaiadas para animar sua torcida, driblar a si mesmo, exibindo-se para quem já concorda com você.

Nesse contexto, bonito não é mais o contato com a diferença e as possibilidades que derivam desse contato, mas jogar na retranca, contando com contra-ataques rápidos e lacradores, que se lançam de forma dura para o ataque.

Nesse contexto, de jogo polarizado, alguns esperam que um juiz indique falta grave e decida a partida. Ou que a uma VAR seja usado para julgar os lances, apontando o que é válido e o que não é. Porém, a TV que mostra o lances não é neutra. Tampouco o juiz.

Diante desse cenário, os técnicos desses times, não raro, acabam por promover a violência. Não é sua mão, claro, que vai descer o sarrafo no adversário, mas a sobreposição de suas declarações ao longo do tempo torna a porrada um movimento lógico e necessário por parte de seus torcedores. Sem precisar pedir, criam o ambiente para que, da arquibancada, escorra sangue.

Falta por aqui um meio de campo que conte com criatividade e capacidade de fazer uma ponte entre a sua defesa e a do adversário. Ponte construída com habilidade e, principalmente, sem violência. Que conquiste pela graça e competência e não pela "virilidade".

Passamos para as quartas de final no futebol. Por lá, o meio de campo, que já está bom, pode melhorar ainda mais a tempo de fazer bonito nos próximos três jogos.

Contudo, o meio de campo do debate público por aqui deve continuar terra pouco frequentada até as eleições de outubro.

E, dependendo do resultado, após elas também.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto