Facebook remove rede ligada ao MBL por manipulação do debate público
Leonardo Sakamoto
25/07/2018 21h42
(Leia, no final do post, atualização sobre ataques que o jornalista sofreu por divulgar a informação.)
O Facebook anunciou, nesta quarta (25), que retirou 196 páginas e 87 perfis por participarem de "uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação".
Matéria da agência Reuters apontou que as páginas e perfis pertenciam ao grupo de ativistas de extrema-direita MBL, que acusou a plataforma de censura e prometeu usar todos os "recursos midiáticos, legais e políticos" para reaver as contas, com "consequências exemplares para essa empresa".
A justificativa do Facebook é de que as páginas e perfis desrespeitavam o contrato assinado pelos usuários ao aderirem ao serviço. Teria sido violada a autenticidade – regra que inclui a proibição de criar, gerenciar ou perpetuar contas falsas, contas com nomes falsos e contas que participam de "comportamentos não autênticos coordenados, ou seja, em que múltiplas contas trabalham em conjunto com a finalidade de enganar as pessoas". Sobre a origem do conteúdo, sobre os destinos dos links externos, na tentativa de conseguir engajamento.
O MBL nega que as contas retiradas sejam vinculadas a perfis falsos e acusa o Facebook de "perseguir, coibir, manipular dados e inventar alegações esdrúxulas contra grupos, instituições e líderes de direita ao redor do mundo".
De acordo com a explicação dada pelo Facebook, a rede não foi excluída por ser um grupo de páginas distribuindo notícias falsas. Mas porque, segundo a investigação da empresa, que envolveu profissionais dos Estados Unidos, Holanda, Índia, México e Brasil, entre outros países, havia um sistema elaborado voltado à manipulação do debate público. Uma operação capaz de colocar uma informação no centro da pauta de forma velada e pouco transparente, o contrário do que se pressupõe em uma democracia.
A construção de uma "verdade" nas redes sociais se parece com uma cebola, como já exemplifiquei aqui. Por fora, grandes e sólidas. Retirando casca por casca, não sobra muita coisa. E isso vale para cebolas de direita, de esquerda, de centro. Tanto que a plataforma deve usar o mesmo padrão elaborado para esse caso a outras redes, independentemente da ideologia, até outubro.
Vale lembrar que as eleições brasileiras são o último ensaio antes das eleições legislativas norte-americanas de novembro. Se o comando do Congresso ou parte dele voltar aos democratas, Donald Trump terá problemas até o final de sua gestão.
A utilização de redes de perfis e páginas para manipular o debate público pode adotar diversos modelos. Abaixo, um deles:
1) Um perfil ou página de rede social que não informa seus responsáveis ou que usa nomes de pessoas que não existem publica um link de um site – que, não coincidentemente, pertence à mesma pessoa ou grupo. Normalmente, esses perfis são atualizados através de redes privadas que dificultam o rastreamento e a identificação dos usuários.
2) Um segundo perfil ou página que pertence à mesma pessoa ou grupo do anterior compartilha aquela publicação em sua rede, chamando mais atenção para o conteúdo.
3) Um terceiro perfil ou página que também pertence à mesma pessoa ou grupo dos anteriores compartilha a publicação do segundo.
4) Uma página com muitos seguidores, que faz parte da patota, compartilha a publicação do terceiro. Quanto mais externa a camada dessa "cebola" digital, maior o número de seguidores e a proeminência.
5) Na hora de ser cobrada a respeito da origem das informações, a quarta página afirma que a informação veio de outra, que ela considera confiável, e que um monte de gente na rede compartilhou também.
6) A difusão de conteúdo na internet baseia-se em dois pilares: relevância (você precisa ser bom naquilo que fala) e autoridade (as pessoas reconhecem que você é bom ou confiável através de likes e compartilhamentos). Com isso, reputação é erguida a partir do zero sobre um assunto, empresa ou político.
7) Uma informação inverídica – como o envolvimento amoroso de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em março deste ano, com um traficante, replicada e reproduzida à exaustão, tornou-se "verdadeira" para muita gente não por ter sido baseada em fatos, mas por ser difundida em massa e validada coletivamente.
8) Raramente alguém tem tempo ou paciência para procurar quem primeiro divulgou o conteúdo e verificar se veio de fonte que apurou de forma cuidadosa com o objetivo de informar ou foi montado de maneira sacana a fim de construir ou desconstruir percepções, candidaturas ou biografias.
9) Não raro, o nome do site do qual brotou a informação inicial tenta imitar veículos tradicionais da imprensa ou passar a imagem de uma fonte de conteúdo séria – Folha disso, Diário daquilo. E, não raro, está hospedada em um servidor fora do país, sob uma conta falsa ou com a proteção de um laranja.
10) Esse sistema todo parte do pressuposto que temos a tendência de considerar verdadeiro todo conteúdo com a qual concordamos e mentiroso, aquele do qual discordamos. Desmentir o que é espalhado pela rede de desinformação é uma tarefa inglória, portanto. Em uma sociedade ultrapolarizada como a nossa, as pessoas acreditam naquilo que corrobora sua visão de mundo e não aquilo baseado em fatos.
A rede excluída hoje é apenas a ponta do iceberg de um ecossistema extremamente complexo de manipulação da opinião pública que será usado tão exaustiva quanto silenciosamente durante a campanha eleitoral por todo o espectro político. Há construtores de realidade que vão se empenhar para controlarem a pauta da esfera pública ou para modelar desejos e vontades através de big data, psicometria e inteligência artificial até o final de outubro.
Toda essa estrutura custa dinheiro. De onde ele veio, é uma excelente pergunta.
Há uma guerra sendo travada nas redes sociais. Sem que a maioria de nós saiba, ao menos, o nome real daqueles que vão nos atingir.
Atualização publicada às 15h15 do dia 26/07/2018:
Após ter publicado este post sobre a remoção de páginas e perfis ligados ao MBL pelo Facebook, acabei sendo vítima – novamente – de mais uma leva de ataques digitais. Alguns dizem que sou uma ameaça ao país, outros colocaram no centro de uma conspiração para cercear o pensamento conservador no Brasil.
Um exemplo de questionamento foi um tuíte da professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e co-autora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, Janaína Paschoal, na manhã desta quinta.
Em resposta à professora, a razão é bem simples: chama-se "apuração jornalística". Está meio fora de moda, eu sei, mas ainda é uma das ferramentas de uma boa democracia:
1) Li a nota pública que o Facebook soltou com as causas das remoções (leia aqui).
2) Li as regras da comunidade da empresa, aquele "contrato" de direitos e deveres que nós aceitamos ao abrirmos uma conta. Nelas, é possível ver que o Facebook afirma que não adota a política de remover notícias falsas (leia aqui), mas de remover perfis falsos ou que sejam usados de forma organizada para desinformação (leia aqui)
3) Li o despacho da agência Reuters, que afirmou que os perfis pertenciam a integrantes do grupo, e o posicionamento do MBL, que confirmou em sua página que teve coordenadores com contas removidas. Li apurações de outros jornalistas.
4) Já o passo a passo de redes que usam perfis falsos para manipular é amplamente conhecido nos estudos da comunicação. Inclusive, cito o exemplo no meu livro "O que aprendi sendo xingado na internet", lançado em junho de 2016. Também conversei com pesquisadores dessa área para simplificar ao leitor.
Espero, com isso, ter sanado as dúvidas.
Por fim, além do meu texto, foram vários os que explicaram que a remoção das páginas e perfis não se deu por divulgação de notícias falsas, mas por desrespeitar – na opinião da empresa – suas regras de autenticidade. Ou seja, utilização de perfis e páginas falsas que agem junto com outros, de forma coordenada, a fim de manipular. O que, segundo o Facebook, fere o contrato.
A partir de agora, os que acreditam terem sido prejudicados devem recorrer à Justiça, como ocorre com o rompimento de qualquer contrato. E, diante disso, os que romperam o contrato também vão se defender judicialmente.
A nós, resta o diálogo. De preferência, tolerante e não violento.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.