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Brasil terá anticampanha eleitoral, com poucas propostas e muito ódio

Leonardo Sakamoto

05/08/2018 10h53

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Em tese, a propaganda eleitoral serve para que os candidatos se apresentem à população e – mais importante – tragam a público seus programas de governo para que sejam conhecidos, escrutinados, debatidos. Em tese, saberemos como cada um irá combater o desemprego, quais caminhos devem seguir para gerar postos de trabalho, quais sacrifícios devem ser demandados a pobres e ricos para tanto. Mas o que se avizinha é um show de horrores.

O mais provável é que tempo importante das campanhas em rádio, TV e internet seja gasto para atacar e desconstruir. Não que mostrar a incongruência, a ignorância, a incompetência ou mesmo a incapacidade crônica do adversário não seja importante para evitar que o eleitor eleja uma jaca para o Palácio do Planalto. Contudo, relevante também é entender como sairemos do atoleiro.

Vivemos um momento ultrapolarizado, no qual as pessoas cerram fileiras e cavam trincheiras para demarcar sua posição e atacar o adversário ideológico – que, de agora até o final do segundo turno, será tratado como inimigo mortal. A situação chegou a esse ponto, claro, muito por culpa de certos políticos que não fizeram cerimônia alguma em tornar o ódio protagonista da vida cotidiana em benefício próprio.

Há quem defenda que programas de governo tornaram-se peças anacrônicas e, portanto, deveriam ter pouca importância. Primeiro, porque eles não resistiriam à necessidade de composição partidária no dayafter eleitoral visando à governabilidade  – palavra pichada com sangue nos muros do inferno. E, segundo, porque seria mais lógico o eleitor votar em uma visão de mundo de um determinado grupo político e não em objetivos e metas. Ou seja, eleger a forma e os valores pelos quais um país deve ser governado e não o que o governante irá fazer especificamente.

Discordo, uma coisa não excluiu a outra. A população tem direito em saber como seus futuros governantes pretendem reduzir a massa de 13 milhões de desempregados e trazer de volta à população economicamente ativa cerca de 4,6 milhões de pessoas que, entrando em desalento, desistiram de procurar emprego por saberem que não encontrarão nada. Se o candidato não consegue detalhar isso, poderá governar? Ou terceirizará uma solução de conflitos em sua equipe?  Por exemplo, como vai decidir entre priorizar um programa social ou um projeto de fomento ao crescimento?

Com raras exceções, os candidatos à Presidência da República, até agora, têm explicado superficialmente e de forma incompleta seus planos de geração de emprego em eventos de beija-mão ao mercado e a grandes empresários ou em entrevistas e sabatinas. Porém, poucos foram os que formularam publicamente algo a respeito dos empregos com um mínimo de solidez para o povão. Isso vai mudar a partir de 31 de agosto, quando começa o horário eleitoral? Desconfio que não. Vamos até o fim centrando fogo no "la garantia soy yo".

Retomando o que já disse aqui. O eleitor brasileiro é pragmático. Mostrou-se assim na reeleição de Lula, em 2006, mesmo com o PT atolado no Mensalão. O que significa que a vida pregressa de partidos contaminados pela corrupção vai pesar menos na decisão do voto do que a percepção sobre a melhor proposta e o melhor candidato para tirar o país da lama do desemprego e da insegurança pública.

Olhando para os candidatos e para a cobertura da própria imprensa, a população tem a impressão de que o tema central da campanha será o próprio Lula. Claro que as eleições dependem do que vai acontecer com ele como pré-candidato e se será capaz de transferir votos a outra pessoa. Mas seria bom os pré-candidatos começarem a ser intensamente cobrados sobre o que pretendem fazer. Pelo menos, aqueles com capacidade cognitiva para tanto.

Caso contrário, não poderão nem ser acusados de estelionato eleitoral. Com medo de tirar votos do povão ou de assustar a elite econômica, alguns medirão suas palavras e suas propostas, tornando-as muitas vezes vagas e superficiais.

Boas campanhas de rádio e TV custam caro. Sem recursos por conta da proibição legal de financiamento privado empresarial, deve aumentar o conteúdo circulando em redes sociais e aplicativos de mensagens. Que atuam muito melhor, em sociedades ultrapolarizadas como a nossa, para desconstruir pessoas e ideias do que para apresentar propostas. A propaganda negativa oficial e, principalmente, a extraoficial, bancada por simpatizantes de forma irregular, vai dominar o cenário.

Dessa forma, podemos ter uma anticampanha eleitoral, em que saberemos muito pouco do que os candidatos propõem e muito dos seus supostos podres. O problema é que uma anticampanha pode nos levar a um cenário antidemocrático, puxado por pessoas sem apreço à dignidade humana. Triste perceber que há quem torça para isso.

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Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.


Leonardo Sakamoto