Polêmicas do vice de Bolsonaro: Do autogolpe à Constituição por encomenda
Leonardo Sakamoto
13/09/2018 20h44
Jair Bolsonaro, Levy Fidelix e Antonio Hamilton Mourão. Foto: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Depois de admitir que, na hipótese de um presidente da República considerar que o país entrou em situação de anarquia, ele pode dar um "autogolpe" com o apoio das Forças Armadas…
Depois de dizer que "temos uma certa herança da indolência [vagabundagem, preguiça], que vem da cultura indígena" e que a "malandragem é oriunda do africano"…
Depois de chamar, mais de uma vez, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – torturador que chefiou o órgão de repressão política da ditadura militar – de "herói" e justificar suas ações afirmando que "heróis matam"…
Depois de afirmar que seus "companheiros do Alto Comando do Exército" entendem que uma "intervenção militar" poderá ser adotada se o Judiciário "não solucionar o problema político" [referindo-se à corrupção]. E que os militares terão que "impor isso" e essa "imposição não será fácil". E que ainda não é o momento, mas uma ação poderá ocorrer após "aproximações sucessivas". E que o Exército teria "planejamentos muito bem feitos" sobre o assunto…
Agora, o general da reserva Antonio Hamilton Mourão (PRTB), candidato à vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), criticou, em uma palestra em Curitiba, nesta quinta (13), a Constituição Federal, de 1988, e defendeu que uma nova Carta Magna seja criada por um pequeno comitê de juristas e constitucionalistas apenas com princípios e valores, sem a eleição – pelo povo – de uma Assembleia Constituinte para escrevê-la. Cita que isso já aconteceu antes em nossa história, mas não se atenta que vivemos uma democracia em que esse tipo de tutela não cabe mais. Ao menos, em tese.
"Não precisa de Constituinte", disse ele. "Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo."
Com tudo isso, fica simples compreender a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro sobre um dos principais critérios para a escolha do vice-presidente na chapa de seu pai:
"Sempre aconselhei o meu pai: tem que botar um cara faca na caveira pra ser vice", disse ao jornal Folha de S.Paulo. "Tem que ser alguém que não compense correr atrás de um impeachment." O que faz sentido, tendo em vista a forma como ele enxerga o país.
Contudo, o ímpeto com o qual Mourão e seu partido, o PRTB, de Levy Fidelix, se assanhou para substituir um acamado Bolsonaro e tomar à frente em seus compromissos de campanha indica que o "faca na caveira" pode assustar não apenas adversários, mas também aliados.
Sobre o Autor
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.